O Programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e a Estratégia de Saúde da Família salvaram a vida de mais de 1,4 milhões de brasileiros nas últimas duas décadas. Além disso, esses programas têm o potencial de evitar 6,6 milhões hospitalizações e a morte de 1,3 milhões de pessoas até 2030. É o que aponta um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com outras instituições, e publicado nesta segunda-feira (22) na revista JAMA Network Open.
A pesquisa analisou dados de 2.548 municípios brasileiros, entre os anos de 2004 a 2019, comparando os níveis de cobertura dos três programas a uma série de variáveis, como taxa de pobreza, taxa de analfabetismo, taxa de urbanização, taxa de fecundidade, percentual de domicílios com coleta inadequada de lixo e número de médicos para cada 1 mil habitantes.
Programa Bolsa Família
De acordo com o levantamento, os municípios que apresentaram uma cobertura mais ampla do Bolsa Família registraram uma diminuição de aproximadamente 5,1% na taxa de óbitos gerais, ou seja, considerando todas as idades. O impacto foi ainda mais expressivo na redução da mortalidade infantil entre crianças menores de 5 anos, alcançando 12,9%.
“Atribuímos esse efeito mais forte do Programa Bolsa Família entre crianças menores de 5 anos às condicionalidades de saúde, isto é, aos cuidados pré-natais das mães beneficiadas, ao acompanhamento nutricional de lactantes e de crianças participantes desse programa”, explica o pesquisador Temidayo Aransiola (ISC/UFBA).
Instituído em 2004, o Bolsa Família representa o principal programa de transferência de renda do Brasil, abrangendo mais de 20,8 milhões de beneficiários em todo o país. Além de prover uma renda mínima para famílias em situação de pobreza, o programa visa a integração de políticas públicas, ampliando o acesso dessas famílias a serviços essenciais como saúde, educação e assistência social. Para se qualificar ao Bolsa Família, a principal condição é que a renda per capita da família não ultrapasse R$ 218 por mês.
Benefício de Prestação Continuada (BPC)
De modo semelhante, o aumento da cobertura do Benefício de Prestação Continuada (BPC) também contribuiu para a queda de 8,5% na taxa de óbitos gerais. A redução foi ainda mais significativa sobre a mortalidade infantil: 16%. Já entre os idosos com mais de 70 anos, observou-se uma diminuição de 7,7%.
“O BPC transfere o valor de 1 salário mínimo a cada um de seus beneficiários – isto é, mais que o dobro repassado pelo Novo Programa Bolsa Família – proporcionando uma maior segurança financeira e alimentar. Esse mecanismo se aplica não somente aos beneficiários diretos (idosos e pessoas com deficiências – PCD), como também às suas famílias, incluindo as crianças”, avalia a pesquisadora Daniella Cavalcanti (ISC/UFBA).
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), assegura um salário mínimo mensal para pessoas com deficiência, independentemente da idade, e para idosos com 67 anos ou mais, desde que comprovem incapacidade para prover o próprio sustento e não tenham suporte familiar para fazê-lo. Para ser elegível ao BPC, a renda per capita do grupo familiar deve ser igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo. Segundo o INSS, até setembro de 2023, mais de 5,65 milhões de idosos e pessoas com deficiência de baixa renda recebiam o benefício.
Estratégia de Saúde da Família (ESF)
No mesmo período, as coberturas mais amplas da Estratégia de Saúde da Família foram associadas a uma diminuição de 6,8% dos óbitos gerais. O impacto foi ainda maior sobre as crianças, com uma redução de 9,7% nas taxas de mortalidade. Entre os idosos, a queda foi de 6,7%.
Segundo os pesquisadores, o estudo revela como o aumento no acesso aos cuidados primários de saúde pode influenciar positivamente a saúde pública, destacando a eficácia da ESF em melhorar os resultados de saúde em várias faixas etárias.
“A Estratégia de Saúde da Família é fundamental para a promoção da equidade e melhoria dos indicadores de saúde. Isso se deve a oferta pública e gratuita da Atenção Primária à Saúde pelo SUS, tornando-a acessível e abrangente a todos, atendendo às necessidades de saúde das comunidades, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade”, destaca o pesquisador Davide Rasella (ISC/UFBA), coordenador do estudo.
Projeções até 2030
Os pesquisadores também concluíram que a expansão dos três programas – Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e Estratégia de Saúde da Família – pode evitar mais de 6,6 milhões de hospitalizações e 1,3 milhões de mortes no Brasil até 2030, mesmo diante do agravamento da pobreza impulsionado por múltiplas crises.
As projeções foram desenvolvidas a partir de modelos preditivos de microssimulação, que permitiram estimar as taxas de mortalidade sob diferentes políticas fiscais, incluindo cenários de expansão, austeridade e manutenção das medidas atuais. Os resultados enfatizam a importância dos respectivos programas como estratégias de proteção essenciais, particularmente em resposta às crises pós-COVID-19.
“Esses programas podem ser uma importante política pública de proteção social e de saúde em meio a um contexto de insegurança alimentar, aumento da fome e da pobreza, principalmente em países da América Latina e de média e baixa renda, como é o caso do Brasil”, conclui Rasella.