A ampliação da precarização é uma das tendências do mundo do trabalho, aponta o artigo “O construto multidimensional trabalho precário, o futuro do trabalho e a saúde de trabalhadoras(es)”, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública. O ensaio, de autoria da pesquisadora Rita Fernandes (PPGSAT/FAMEB/UFBA e PPGSC/ISC/UFBA), indica que o trabalho precário atingirá, em particular, trabalhadores jovens, mulheres, negros, imigrantes involuntários, pessoas com deficiência, povos indígenas e trabalhadores de baixo nível socioeconômico, grupos historicamente em desvantagem.
A publicação analisa o impacto de crises sobre os trabalhadores ocorridas antes da pandemia de Covid-19 e mostra que aquelas com impacto econômico tiveram repercussão direta no mercado de trabalho, com aumento de desemprego e ampliação das vulnerabilidades. O cenário, que incluiu escassez de trabalho estável para inserção de novos profissionais e expulsão de parcelas de trabalhadores dos postos de trabalho estáveis e regidos pela proteção social, resultou na submissão de trabalhadores a condições que seriam normalmente consideradas inaceitáveis por bastante tempo após as crises.
Para o estudo da ampliação das desigualdades no pós-pandemia, o ensaio destaca o trabalho precário como uma categoria central, uma vez que entre grupos vulneráveis, os trabalhadores precarizados foram especialmente atingidos.
O artigo define trabalho precário conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT): caracterizado por vários níveis e graus de incerteza e insegurança quanto à duração do emprego; existência de vários empregadores; relação de trabalho ambígua ou disfarçada; falta de acesso à proteção social e aos benefícios geralmente associados a emprego; baixa remuneração; com obstáculos substanciais, legais e práticos, para ingressar em um sindicato e negociar coletivamente.
O futuro do mundo do trabalho
Para a autora, a transformação digital da economia e as circunstâncias que cercam os trabalhadores da economia de plataforma podem ampliar vulnerabilidades uma vez que essa nova modalidade tem resultado em profunda precarização das relações e condições de trabalho.
“O debate contemporâneo prevê que, mantidas as tendências atuais, com destaque para as inovações tecnológicas não inclusivas, essas parcelas da população estarão à margem do esperado crescimento de oportunidades com os avanços da tecnologia digital. Assim, a essas estarão reservadas inserções com menor probabilidade de crescimento de remuneração, além da maior instabilidade, em condições de trabalho inseguras, sobretudo para aqueles com menor escolaridade e letramento digital”, reforça.
Coordenadora da pesquisa EpisSAT Entregadores – Estudo Epidemiológico sobre Saúde e Trabalho, que investiga as condições de saúde e de trabalho enfrentadas pelos entregadores em todo o país, Rita Fernandes afirma que os resultados do estudo sobre esse grupo de trabalhadores é representativo do quadro exposto no ensaio.
“Tomando as múltiplas dimensões do trabalho precário, os entregadores compõem uma categoria emblemática das características mais recentes no mundo do trabalho, incluindo a subordinação às plataformas digitais. O trabalho dos entregadores reflete de perto o que define o trabalho precário, conforme exposto no ensaio: trabalho instável, sem vínculo reconhecido, portanto, inseguro; temporário, com inserção parcial involuntária porque é dependente da demanda; com renda inadequada e instável; com insuficiência de direitos e de proteção, com reduzida representação coletiva de trabalhadoras(es), pela enorme dificuldade de organização em entidades laborais fortes – sindicais ou associativas –, o que implica baixo poder de reação às condições aviltantes de trabalho, falta de seguridade social, e retrocessos no apoio regulatório em segurança laboral”.
O ideário neoliberal, marcado pelo apelo ao individualismo e à narrativa do empreendedorismo, vai ao encontro de jovens trabalhadores bastante susceptíveis, destaca a pesquisadora.
Impactos na saúde
O ensaio expõe evidências que mostram a associação do trabalho precarizado com problemas físicos e psíquicos na saúde de trabalhadores. Os principais achados de estudos epidemiológicos revelam “forte associação do trabalho precário com os transtornos psíquicos, os acidentes de trabalho e os distúrbios musculoesqueléticos – dor lombar, em ombros e joelhos, como expressão deste comprometimento, que traz o uso ‘naturalizado’ de analgésicos por trabalhadores jovens durante a jornada para controlar os quadros de dor e continuar ‘no corre’”, afirma a docente.
A publicação aponta que é preciso considerar a multidimensionalidade que envolve o trabalho precário para uma melhor compreensão do seu impacto na saúde e na vida dos trabalhadores. Também, que a atualização da agenda em pesquisa e de políticas públicas sobre os efeitos do trabalho precário na saúde de trabalhadores, e suas repercussões nas famílias e comunidades, deve ser prioridade.
Clique aqui e acesse o ensaio “O construto multidimensional trabalho precário, o futuro do trabalho e a saúde de trabalhadoras(es)”.