As pessoas que sofrem de doenças crônicas, têm algum tipo de deficiência incapacitante ou com mais de 50 anos de idade enfrentam um maior risco de deixar o mercado de trabalho antes da hora, o que pode acarretar efeitos significativos em sua renda e condições de saúde. É o que aponta um estudo liderado pela Erasmus University (Roterdã-Holanda) em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA). A pesquisa integra uma série de três artigos sobre trabalho e saúde, publicados na última quinta-feira (12), pela revista The Lancet, o periódico mais importante na área de ciências médicas no mundo.
O artigo “Health and inclusive labour force participation” discute os fatores que influenciam a entrada e saída do emprego remunerado nos três grupos identificados como os mais vulneráveis, assim como os impactos sobre a perda de renda e o agravamento das condições de saúde na vida desses trabalhadores em escala global. Desenvolvido pelos pesquisadores Alex Burdorf (Erasmus University), Rita Fernandes (UFBA) e Suzan Robroek (Erasmus University), o estudo evidencia que as condições de trabalho desgastantes e problemas de saúde são barreiras significativas para a participação no mercado de trabalho.
“Para alcançar a participação inclusiva na força de trabalho, as políticas nacionais para regulamentação das práticas empresariais voltadas a garantir melhorias nos locais de trabalho precisam ser promovidas com vistas a ambientes de trabalho seguros e saudáveis que contribuam para a saúde e o bem-estar dos trabalhadores e suas comunidades”, destaca Rita Fernandes, professora e pesquisadora do PPGSAT da Faculdade de Medicina da UFBA e do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA).
O trio de pesquisadores conduziu uma ampla revisão de estudos longitudinais disponíveis na plataforma PubMed, abrangendo publicações desde a criação do banco de dados até fevereiro de 2022. Além disso, também foram consultados relatórios de organizações internacionais por meio do Google Scholar e listas de referências de artigos científicos selecionados.
O artigo chama atenção para o envelhecimento da força de trabalho nas últimas duas décadas e o aumento das taxas de emprego entre pessoas com 60 anos ou mais em muitos países. No entanto, as evidências apontam que trabalhar por mais tempo não é algo possível para todos.
O impacto das doenças crônicas
De acordo com a análise, diversos estudos têm destacado o papel significativo das doenças crônicas como uma barreira fundamental para ingressar e se manter em empregos remunerados. Há uma menor presença na força de trabalho observada de indivíduos afetados por condições crônicas.
Um estudo realizado em 27 países europeus mostra que pessoas com doenças crônicas podem representar apenas 27% da força de trabalho, enquanto indivíduos sem essas condições significam 73% da mão de obra empregada. Notavelmente, as disparidades absolutas na participação eram maiores entre homens (variando de 22% a 35%) e mulheres (variando de 10% a 31%) com menor nível de educação, em comparação com homens (variando de 5% a 13%) e mulheres (variando de 6% a 16%) que possuíam educação superior.
“Este estudo comparativo aponta para dois mecanismos importantes. Primeiro, as condições de trabalho de uma pessoa com doença crônica podem facilitar ou dificultar suas chances de permanecer empregado. Em segundo lugar, esses padrões regionais podem refletir diferenças em arranjos institucionais, como proteção ao emprego e proteção social”, explica a pesquisadora Rita Fernandes.
A análise também ressalta a influência dos fatores ambientais do trabalho como obstáculos na busca e na manutenção de empregos remunerados. Um estudo de longo prazo, que acompanhou trabalhadores com idades entre 45 e 60 anos, evidenciou que fatores psicossociais ligados ao trabalho desempenharam um papel significativo na forma como dores de cabeça intensas, diabetes e problemas de saúde relacionados ao sistema musculoesquelético, circulatório, respiratório, digestivo e psicológico impactaram a probabilidade de receber benefícios por incapacidade.
Entre os trabalhadores afetados por esses problemas de saúde, observou-se que maior autonomia, melhor apoio no ambiente de trabalho e menores pressões psicológicas resultaram em uma redução notável, de 82%, 49% e 11%, respectivamente, na probabilidade dos trabalhadores necessitarem de benefícios por incapacidade. “A capacidade de permanecer no emprego remunerado para trabalhadores com doenças crônicas depende de como as condições de trabalho e os arranjos de trabalho acomodam suas limitações relacionadas à doença”, observa Rita Fernandes.
Desafios para trabalhadores com deficiência
A revisão aborda a marginalização de indivíduos que enfrentam deficiências incapacitantes, como cegueira, deficiências intelectuais e físicas. Nesse contexto, os jovens que lidam com tais deficiências enfrentam duplas desvantagens. Primeiramente, encontram obstáculos significativos para ingressar no mercado de trabalho após a conclusão de sua educação. Em segundo lugar, enfrentam ambientes de trabalho que frequentemente dificultam a manutenção de empregos a longo prazo.
Uma análise completa revelou que pessoas com deficiências, especialmente aquelas com menos de 29 anos, consistentemente enfrentam mais dificuldades na vida acadêmica em comparação com seus colegas. Isso é ainda mais acentuado entre jovens adultos pertencentes a minorias étnicas com deficiências. Essa disparidade educacional resulta em menos oportunidades tanto para a entrada quanto para a permanência no mercado de trabalho remunerado. Como resultado, jovens pertencentes a minorias étnicas com deficiências, especialmente aqueles com menos de 29 anos, enfrentam as perspectivas de emprego mais desafiadoras.
“Embora muitos estudos tenham relatado que, para os trabalhadores com deficiência, o emprego remunerado seja significativo e importante, sua posição no mercado de trabalho é frequentemente precária. Pesquisas sobre a eficácia de arranjos e disposições institucionais no trabalho são escassas, mas altamente necessárias”, destaca a pesquisadora.
Hora certa para se aposentar?
De acordo com os pesquisadores, o impacto da aposentadoria na saúde continua a ser uma questão complexa e em aberto. Uma meta-análise abrangendo 41 estudos, conduzida até março de 2021, sugere que a aposentadoria pode reduzir o risco de depressão em quase 20%.
Além disso, um estudo realizado na Alemanha revelou que trabalhadores que enfrentavam problemas de saúde e optaram por uma aposentadoria antecipada apresentaram uma taxa de mortalidade mais baixa nos 15 anos subsequentes em comparação com aqueles que continuaram trabalhando até a idade legal de aposentadoria, estipulada em 65 anos.
Outro estudo, conduzido em 16 países europeus, identificou que os indivíduos que optavam por continuar trabalhando após os 65 anos tendiam a ser mais autônomos, do sexo masculino, com níveis de educação mais elevados, ressaltando-se que esses indivíduos estavam em empregos que ofereciam melhores condições psicossociais de trabalho e gozavam de melhor saúde em comparação com seus pares que escolhiam se aposentar.
Segundo a professora Rita Fernandes, essas evidências destacam a importância de uma aposentadoria oportuna e flexível. “Para as pessoas em posições socioeconômicas mais altas, é mais fácil trabalhar por mais tempo. Elas também têm maior probabilidade de experimentar benefícios para a saúde de uma vida profissional estendida. Entretanto, para aqueles em posições socioeconômicas mais baixas, pode ser mais difícil trabalhar por mais tempo e o tempo estendido pode não trazer benefícios para a saúde”, explica.
O futuro do mercado de trabalho
O artigo destaca a necessidade de mudanças na sociedade para atenuar os impactos negativos na saúde da população. Um foco central é a importância do emprego remunerado como determinante social da saúde e a promoção de um mercado de trabalho inclusivo como uma estratégia para abordar desigualdades em saúde.
“Cada vez mais, os trabalhadores menos qualificados estão ocupando empregos instáveis de qualidade inferior. O emprego precário já é mais comum entre mulheres, imigrantes, jovens e aqueles com baixa escolaridade, e suas consequências para as desigualdades em saúde são uma preocupação crescente”, alerta a pesquisadora Rita Fernandes.
Conforme observado pelo estudo, é crucial ampliar as políticas nacionais e acordos abrangentes relacionados às proteções sociais e empregatícias em um nível macro, a fim de criar oportunidades significativas para o trabalho digno. “Em muitos países de baixa e média renda, uma grande proporção de pessoas com problemas de saúde enfrentará um desafio ainda maior, uma vez que o emprego informal é a principal fonte de renda, frequentemente não oferecendo proteção social básica”, aponta a pesquisadora.
Entre as ações apresentadas, os pesquisadores apontam que o diagnóstico e tratamento de pessoas com doenças debilitantes deve integrar o trabalho como parte essencial dos protocolos, reconhecendo que o trabalho tem um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas. Além disso, é fundamental tornar o mercado de trabalho adaptável e inclusivo para grupos desfavorecidos.
Por fim, à medida que a força de trabalho envelhece, torna-se necessário desenvolver condições de trabalho adequadas às necessidades dos trabalhadores com maior idade e com doenças crônicas. Isso é particularmente relevante em setores com escassez de mão de obra, como o setor de saúde.
“As políticas devem incluir investimentos em setores que possam ser fonte de trabalho decente, que facilitem a participação no mercado de trabalho, além de serviços públicos voltados ao aprimoramento de habilidades de trabalho, capacitação para melhores posições no mercado de trabalho e a garantia da proteção social, com liberdade de associação e negociação coletiva”, conclui Rita Fernandes.
Para ler o artigo completo na revista The Lancet, clique aqui.