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Além da microcefalia, as crianças diagnosticadas com a síndrome congênita do zika vírus podem apresentar, simultaneamente, até cinco danos cerebrais agravantes para o desenvolvimento neuropsicológico. É o que aponta um estudo do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e publicado no International Journal of Developmental Neuroscience, periódico de referência da Associação Internacional da Neurociência do Desenvolvimento.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram dados fornecidos pelo Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS) do município de Salvador. No total, foram investigadas 136 crianças nascidas após o surto da zika, em 2015, e confirmadas para a síndrome congênita do zika vírus. De acordo com o levantamento, 19,1% delas foram diagnosticadas com microcefalia e 32,4% com microcefalia grave.

Além disso, metade da amostra (68 crianças) apresentou, ao mesmo tempo, entre três e cinco danos cerebrais diferentes. Segundo os pesquisadores, os danos mais comuns foram as calcificações cerebrais, presentes em 77,2 % dos casos, e a ventriculomegalia, que ocorreu em 57,4% das crianças investigadas. As calcificações são estruturas ósseas que se formam dentro do cérebro e comuns em casos de alterações congênitas. A ventriculomegalia é o aumento do tamanho dos ventrículos cerebrais, que pode gerar atrasos, principalmente, no desenvolvimento motor e cognitivo das crianças.

“Os prejuízos mais frequentes incluem paralisia cerebral, epilepsia, deficiência intelectual, comprometimento da linguagem, dificuldade em engolir e anomalias dos sistemas visual e auditivo. Também destacamos os transtornos de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e transtorno do espectro autista (TEA) entre os distúrbios do desenvolvimento neurológico”, explica a pesquisadora Paula Sanders Pereira Pinto.

Segundo ela, o estudo é o primeiro a discutir dados do centro de vigilância municipal em relação ao desenvolvimento infantil das crianças nascidas durante o surto em Salvador. “O objetivo é caracterizar o espectro de danos cerebrais detectados pelo exame de neuroimagem de casos confirmados, verificar a existência de um padrão de combinação desses danos e discutir as possíveis implicações para o desenvolvimento neuropsicológico dessa geração”, destaca.

A pesquisa também avaliou o perfil das mães, número de pré-natais realizados durante a gravidez e o peso dos bebês no nascimento. De acordo com os dados, 85,3% das mães tinham entre 16 e 34 anos, 91,3% declararam-se negras e 60,6% das famílias vivem com menos de um salário mínimo por mês. Em relação aos bebês, 58% eram do sexo feminino, 28,6% foram prematuros e 36,3% apresentavam baixo peso ao nascer (inferior a 2,5 kg).

O estudo compõe a coorte do projeto “Desenvolvimento Infantil na Comunidade” (DICa), do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, que tem o objetivo de acompanhar o desenvolvimento das crianças nascidas durante o surto da zika, em 2015, no contexto da atenção básica.

Para a coordenadora do projeto, professora Darci Neves, o estudo é um alerta importante para a adoção de políticas públicas direcionadas a um acompanhamento do desenvolvimento infantil. “A existência de uma combinação de danos cerebrais tende a promover deficiências mais graves do que as encontradas quando ocorrem isoladamente. Assim, em qualquer dimensão do desenvolvimento, cuidados adequados precisam ser oferecidos, especialmente nos cinco primeiros anos de vida”, conclui.