[:pb]As medidas de austeridade fiscal, como a Emenda Constitucional 95/2016, que congelou os gastos com a saúde por 20 anos, assim como o recuo do Programa Mais Médicos, devem impactar diretamente os índices de mortalidade do Brasil pelos próximos anos. É o que aponta um estudo liderado pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Stanford e do Imperial College de Londres, publicado nesta sexta-feira (26) na BMC Medicine, uma das principais revistas médicas do mundo.
Esta é a primeira pesquisa a prever o impacto das medidas de austeridade fiscal na cobertura da Atenção Primária à Saúde (APS) em um país de renda média. O estudo analisou dados de 5.507 municípios brasileiros em uma projeção de 2017 até 2030, data definida pela Assembleia Geral das Nações Unidas para o cumprimento dos “Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável” em 193 países, incluindo o Brasil.
De acordo com os dados projetados, a redução da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF), com a hipotética extinção do Programa Mais Médicos, elevaria as taxas de mortalidade prematura (antes dos 70 anos) por causas sensíveis à atenção primaria no país em 8,6% até 2030. Isso equivale a um aumento de mortes de quase 50.000 pessoas para o período em questão.
Cabe ressaltar que se adicionada a mortalidade em menores de cinco anos nesse cenário, como mostra outro estudo dos mesmos autores, que será publicado em breve, o número de óbitos prematuros evitáveis poderia chegar a um total de quase 100.000 mortes até 2030. “Ainda seria uma subestimação do efeito total porque o estudo não inclui os óbitos em maiores de 70 anos e para algumas causas classificadas como não sensíveis à atenção primária, mas que a Estratégia Saúde da Família poderia ter efeitos leves”, acrescenta o pesquisador Davide Rasella, que liderou o estudo.
De acordo com a pesquisa, as reduções na cobertura de atenção primária serão responsáveis por muitas mortes evitáveis, principalmente aquelas causadas por doenças infecciosas e deficiências nutricionais em pessoas com até 70 anos. “A Estratégia de Saúde da Família é o principal veículo para alcançar a cobertura universal de saúde no SUS e é um dos maiores programas de Atenção Primária à Saúde do mundo, abrangendo 123 milhões de pessoas. Desde 2013, foi fortalecida por meio do Programa Mais Médicos, com a adesão de profissionais em áreas remotas ou com populações mais vulneráveis”, explica o pesquisador.
O estudo também mostra um impacto maior nos municípios mais pobres, além de um aumento nas desigualdades ao afetar, principalmente, a população negra (pretos e pardos). Para os pesquisadores, apesar de realizar uma projeção para o Brasil, o trabalho é um alerta a todos os países de baixa e média renda. “A maior importância dessa pesquisa, como de outras que aplicam microssimulações, é, exatamente, subsidiar os gestores e formuladores de políticas com informações rigorosas sobre os prováveis efeitos futuros de suas decisões”, conclui Luis Eugenio de Souza, pesquisador e coautor do estudo.[:]