Entre os dias 27 e 29 de agosto, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) recebeu o Seminário “Nas Teias e Territórios de Anansi”, encontro que reuniu lideranças quilombolas, religiosas, pesquisadores e estudantes em torno de debates sobre identidade, ancestralidade, resistência e saberes tradicionais.
A programação foi composta por xirês (encontros inspirados nos rituais de celebração e saudação aos orixás no Candomblé), oficinas, lançamentos de livros, rodas de conversa e atividades culturais, fortalecendo a conexão entre universidade, comunidades e territórios de lutas das comunidades tradicionais afro-brasileiras.
Com uma abordagem que valorizou a oralidade, a espiritualidade e a produção de conhecimento coletivo, o Seminário foi um espaço de troca e reafirmação de que a ancestralidade africana permanece como fonte de vida, ciência, saúde e organização social.
Religião como resistência e modo de vida

No Xirê 5 – “A Religião da Resistência: identidades, valores e tradições”, a professora Denize Ribeiro (UFRB) destacou que as religiões de matriz africana, desde o período colonial, têm sido mais do que práticas espirituais: são modos de vida que garantiram a sobrevivência e a reinvenção dos povos africanos na diáspora.
“A fé negra foi, desde sempre, espaço de resistência. O sincretismo religioso é uma prova disso: uma estratégia para preservar os orixás em meio à violência da escravização e da catequização”, ressaltou.
O protagonismo feminino

No mesmo espaço, a Ialorixá e Dra. Iyagunã Dalzira chamou atenção para a força das mulheres na continuidade das tradições religiosas. Segundo ela, foram as primeiras sacerdotisas que garantiram a preservação e transmissão de saberes, consolidando os terreiros como lugares de vida e resistência.
“Sem o feminino, não há continuidade. Nossa religião nasce e se fortalece também pelas mãos das mulheres”, afirmou.
Quilombo, território e luta

Já no Xirê 1 – “Nas Teias de Anansi: Identidades e Ancestralidade dos Povos Quilombolas e de Terreiros”, o líder quilombola Ananias Viana (Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape) reforçou a centralidade do território na luta dos quilombos contemporâneos.
“Falar em quilombo é falar em pertencimento. O território é mais do que terra: é memória, é dignidade e é o que garante a continuidade da vida coletiva dos nossos povos”, destacou.
Entrelaçando saberes
O Seminário também foi marcado por momentos culturais que entrelaçaram espiritualidade, arte e memória coletiva. A programação incluiu a ambientação da Tenda com música e mística, a contação de histórias do mito de Anansi e apresentações como as cantigas de roda conduzidas por Dona Josefa dos Santos. Houve ainda espaços de cuidado afrocentrado, oficinas temáticas e a Mostra Cultural da Comunidade Quilombola do Boqueirão, que apresentou produções audiovisuais em diálogo com a ancestralidade.
Outro ponto alto foram os lançamentos de livros, que registram e divulgam saberes das comunidades. Entre eles: “Fé nas Folhas” de Sueli Kintê, “Èsù Walê – O Caminho de Volta” de Bruna Silva, “A Produção do Conhecimento Contracolonial na Formação em Saúde: Trilhando Caminhos Coletivos”, e o “Caderno de Boas Práticas em Atenção à Saúde da População Negra no Brasil”. Essas publicações reafirmam a importância de materializar, em registros escritos, aquilo que é transmitido também pela oralidade e pelas práticas comunitárias.
Encerrando os três dias de atividades, a sensação era de que o Seminário não apenas celebrou a memória, mas também lançou sementes de futuro. Como disse uma das participantes: “Nós só existimos porque resistimos. Nossa fé é vida, é cultura, é ciência e é também caminho para construir um mundo de paz e respeito”.
Para visualizar os álbuns de fotos do evento, acesse o Flickr do ISC: https://flickr.com/photos/isc-ufba/albums.