“Eu estava muito cansada. Só conseguia deitar um pouquinho e cochilar. Agora eu faço unha, tomo banho tranquila, lavo a cabeça, faço uma prancha e vou no posto marcar alguns exames. Faço o que eu tenho que fazer: vou no sacolão, padaria, compro as coisas, super tranquila.” A declaração é de uma filha, cuja identidade foi aqui preservada, cuidadora da mãe idosa assistida pelo Programa Maior Cuidado. O relato expressa a mudança significativa na rotina de quem, antes sobrecarregada, passou a contar com apoio regular para seguir cuidando — e também cuidar de si.
A experiência do projeto-piloto do PMC foi apresentada no dia 17 de junho, no auditório da Prefeitura de Contagem (MG), município que atualmente acompanha 37 famílias por meio da iniciativa. Desenvolvido em parceria com o Ministério da Saúde, sob coordenação do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, o projeto tem como objetivo oferecer cuidado domiciliar a pessoas idosas em situação de vulnerabilidade social.
Gestores reforçam papel do PMC
Na abertura do evento, Lígia Gualberto, coordenadora de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da Saúde, destacou a importância do PMC na articulação entre serviços e na construção de políticas estruturantes. “O cuidado precisa ocorrer de maneira respeitosa no nível comunitário, articulando a Estratégia Saúde da Família, que é a base da coordenação do cuidado no nosso Sistema Único de Saúde (SUS)”, disse.
Laís Abramo, secretária Nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, destacou que o PMC inspira diretamente o Plano Nacional de Cuidados, atualmente em elaboração, especialmente no atendimento domiciliar a pessoas idosas dependentes. “Uma das propostas principais do Plano Nacional de Cuidados é justamente a questão do atendimento domiciliar das pessoas idosas — as pessoas idosas que necessitam de cuidados e apoios de terceiros para a realização das atividades da vida diária são um dos públicos prioritários da política”, afirmou.
O secretário de Assistência Social e Segurança Alimentar de Contagem, Marius Fernando Cunha de Carvalho, apontou a intersetorialidade como um dos maiores desafios da gestão pública. Ele também reforçou a importância da universidade pública e da pesquisa para orientar políticas locais. “Ter dados qualificados é muito importante para quem está no âmbito municipal tomar decisões”, pontuou.
Fernanda Rodrigues, referência técnica da pessoa idosa na Secretaria Municipal de Saúde, celebrou a força coletiva do programa e o foco nos idosos mais vulneráveis. “O programa traz esse foco nos idosos que são invisíveis perante a sociedade. Para mim, a menina dos olhos é essa visão voltada para o cuidador”, afirmou. Segundo ela, o PMC tem permitido reduzir a institucionalização, melhorar a articulação entre setores e dar visibilidade à diversidade do envelhecimento no município.
O professor Luis Eugenio de Souza, diretor do ISC/UFBA e coordenador-geral do projeto piloto do PMC, destacou os ganhos em qualidade de vida, a redução de internações e a economia de recursos públicos como pontos centrais. “O Programa Maior Cuidado não apenas melhora a qualidade de vida dos idosos e das famílias, mas também custa menos para a sociedade”, disse.
Além dos impactos diretos no cuidado, o professor chamou atenção para o papel comunitário das cuidadoras sociais e defendeu a continuidade e a expansão da iniciativa. “Estamos numa fase crítica do projeto-piloto. Nosso desafio agora é garantir a institucionalização do programa, tanto em nível municipal quanto como uma política nacional”, pontuou o professor.
Primeiros resultados mostram impactos positivos
No evento, a pesquisadora Poliana Fialho de Carvalho (Fiocruz/MG) apresentou o andamento do projeto-piloto do Programa Maior Cuidado (PMC) em Contagem, destacando sua implementação desde abril de 2024 e os resultados preliminares. O projeto atualmente acompanha 37 pessoas idosas — com média de idade acima de 77 anos — por meio do trabalho de 15 cuidadoras sociais, distribuídas entre os distritos sanitários de Ressaca e de Industrial.
Entre os resultados já observados, destacam-se melhorias na autoestima, na autonomia e na coordenação motora das pessoas idosas acompanhadas. Também foram identificadas transformações significativas na rotina dos cuidadores familiares, que relataram alívio da sobrecarga, retomada de atividades pessoais e maior segurança para seguir cuidando. Nas equipes de saúde e assistência social, o programa contribuiu para otimizar os fluxos de atendimento, fortalecer a articulação entre serviços e promover uma atenção mais integral e humanizada.
A apresentação incluiu dados quantitativos sobre o perfil das pessoas atendidas, a composição das equipes e a articulação entre as Unidades de Saúde da Família (UBS) e os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). “É emocionante ver o cuidado com as pessoas idosas sendo tratado com tanta seriedade, compromisso e afeto. Mais do que números, o Maior Cuidado representa vidas, a chance de envelhecer com dignidade, amparo e humanidade”, disse. Ela também reforçou a importância da continuidade do PMC no município. “Que não seja uma experiência passageira, mas uma política consolidada permanente, capaz de transformar realidades”, pontuou.
Também foram compartilhados depoimentos de pessoas idosas, cuidadores familiares e cuidadoras sociais, evidenciando o impacto positivo do programa na autonomia, autoestima e qualidade de vida dos envolvidos. Os relatos, somados aos dados apresentados, reforçaram o potencial do PMC como política pública de cuidado domiciliar com dignidade e afeto.
Para Mirela Camargos, coordenadora do PMC em Contagem e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o envolvimento das equipes locais e o trabalho conjunto com os territórios foram fundamentais para a implantação do projeto no município mineiro. Ela também ressaltou os desafios enfrentados pela equipe e os limites operacionais do programa.
“O projeto só acontece porque há uma participação coletiva, porque as equipes estão no dia a dia, correm atrás, fazem avaliação, selecionam os idosos, conversam”, ressaltou.
O cuidado que transforma vidas
Com mais de uma década de experiência como cuidadora de idosos, Cilene Neres integrou o Programa Maior Cuidado (PMC) desde o início de sua implementação em Contagem (MG). Ela destaca a qualificação das profissionais envolvidas, que passaram por uma formação com fisioterapeutas, geriatras e psicólogos, e relata como o projeto tem feito diferença concreta na vida de pessoas idosas e suas famílias. “Complementou meu conhecimento e fortaleceu nosso papel no cuidado”, afirma.
Em seus atendimentos, Cilene já vivenciou situações que revelam o impacto direto da presença de uma cuidadora social no cotidiano familiar. Ela conta, por exemplo, o caso de duas irmãs idosas — uma delas acamada e sozinha em casa — que passaram a receber cuidados diários: alimentação na posição correta, banho no banheiro, estímulo ao convívio e administração de medicamentos.
Segundo Cilene, o cuidado oferecido pelo PMC representa um alívio real para quem enfrenta a sobrecarga do cuidado familiar. Ela reforça que mesmo ações simples, como oferecer um banho com regularidade, têm enorme valor: “Se esse cuidador fosse na minha casa e desse apenas esse banho para um familiar meu, eu ficaria muito satisfeita. É aliviador. Contagem precisa da permanência do Programa Maior Cuidado.”
Um modelo a ser replicado
Segundo Odair Câmara, referência técnica da Proteção Social Básica em Contagem, a articulação entre setores foi fundamental para transformar o cuidado em uma ação viva nos territórios.
“O projeto-piloto nos ensinou que a intersetorialidade não é um ideal abstrato, mas uma necessidade concreta — embora complexa e desafiadora. A complexidade das demandas que chegam aos CRAS e às UBS exige que olhemos para as pessoas em sua totalidade, como sujeitos de direitos que precisam de escuta, vínculo e políticas públicas que dialoguem entre si.”
Para o professor Peter Lloyd-Sherlock, da Northumbria University e especialista em políticas públicas para o envelhecimento, o modelo implantado em Contagem representa uma referência internacional. Em sua avaliação, experiências como essa podem influenciar diretamente outras políticas. “O Maior Cuidado é um exemplo para o mundo de como cuidar de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade e dependência”, destacou o professor.
A médica e pesquisadora Karla Giacomini, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma das 50 lideranças globais na promoção do envelhecimento saudável, também destacou o potencial transformador do Programa Maior Cuidado (PMC) e importância de transformá-lo em uma política pública mais abrangente. “O que nós todos estamos dizendo aqui é que política pública é feita para transformar realidades. Política social não é gasto, mas investimento no povo brasileiro. Eu realmente acredito que ele transforma vidas — e isso nós temos provas para demonstrar”, concluiu.
Além de Contagem, o projeto-piloto do Programa Maior Cuidado também foi executado simultaneamente em Salvador, beneficiando cerca de 50 famílias. As estratégias implementadas em ambos os municípios seguem o modelo bem-sucedido adotado em Belo Horizonte, onde o programa está em funcionamento desde 2011.
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🎥 Assista, abaixo, ao vídeo sobre os primeiros passos para a implementação do PMC nos municípios de Contagem (MG) e Salvador (BA):
