A política de ciência, tecnologia e inovação em saúde e os desafios para avaliação e incorporação de novas tecnologias no Brasil foram alguns dos temas debatidos na 6ª edição do Seminário Gestão de Tecnologia e Inovação em Saúde (GTIS), realizado nos dias 3 e 4 de setembro, no Othon Palace Hotel, em Salvador. O evento é promovido em parceria pelo Programa Integrado Economia, Tecnologia e Inovação em Saúde (PECS) do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA), pelo Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (CITECS) e pela Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES). A programação incluiu conferências, painéis temáticos e oficinas com a presença de pesquisadores de diversas instituições, gestores e representantes governamentais.
A abertura do VI GTIS, na manhã da quinta-feira (3), contou com a participação do secretário em exercício de Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia, Roberto de Pinho, do sub-secretário de Saúde do Estado da Bahia, Carlos Emanuel Melo, do diretor do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz-Bahia, Manoel Barral-Netto, do reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia, Naomar de Almeida Filho, da presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, Rosa Maria Marques, do vice-coordenador do INCT/CITECS e coordenador científico do evento, Sebastião Loureiro, e do pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA), Luis Eugenio de Souza, que representou a instituição.
Após as boas vindas dos anfitriões do evento, Sebastião Loureiro e Rosa Marques, que apresentaram a proposta e as diretrizes do GTIS, o subsecretário de Saúde, Carlos Emanuel, pontuou os impactos e desafios da incorporação das novas tecnologias e de fenômenos como a judicialização para o orçamento e a gestão da saúde. Já o secretário de Ciência e Tecnologia em exercício, Roberto Pinho, enfatizou que há uma forte ligação do seminário com a proposta de trabalho da Secretaria, que inclui a formação de um ecossistema que reúna diversos atores, como pesquisadores, secretarias e gestores. “A SECTI está de portas abertas para a saúde”, afirmou para, em seguida, destacar a “excelência acadêmica que permite um protagonismo do estado na área de C&T”.
Panorama de C&T no Brasil: dados positivos e entraves
“Política e Gestão de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde” foi o tema da primeira conferência da programação, apresentada pelo diretor da Fiocruz-Bahia, Manoel Barral-Netto, e coordenada por Rosa Marques (ABrES). Para compreensão do panorama de C&T no Brasil, o pesquisador fez um levantamento do que considera dados positivos, aspectos preocupantes e entraves, apresentando indicadores de produção científica como número de pedidos de patentes no Brasil, relações entre economia e produção científica, custos, citação de trabalhos e impactos da produção científica brasileira no mundo. “Acho que temos grandes problemas no ensino das ciências, um grande problema no baixo financiamento, e nos índices de avaliação, que são muito preocupantes”, apontou.
Barral-Netto fez duras críticas ao ensino da ciência no país – dos materiais didáticos que trazem conceitos científicos dissociados da realidade às aulas expositivas que não estimulam o diálogo. “As mentes que não conseguiram ser destruídas pelo nosso ensino são aquelas que estão fazendo ciência no Brasil”, provocou o conferencista, que defendeu uma mudança no sistema de avaliação da produção científica por considerar que “a quantidade teve sua importância, mas é preciso pensar que é a pesquisa de ponta que traz impactos econômicos”. Entre os problemas nas avaliações, destacou também o mau uso de indicadores, o engessamento na utilização dos baremas e a participação da comunidade científica, inclusive na revisão dos procedimentos de avaliação.
O pesquisador indicou também possíveis caminhos para avanço na área, entre eles a problematização do financiamento da pesquisa em ciência, tecnologia e saúde, o subfinanciamento, a pulverização de recursos e sua concentração em projetos de baixo orçamento e curta duração. “O Brasil está fora do padrão de financiamento da saúde. […] Mas só estamos conversando sobre isso neste momento porque nossa ciência melhorou muito. Sou um otimista cauteloso”, concluiu.
O Observatório no GTIS
O primeiro painel temático da programação do VI GTIS teve como tema “Política de ciência, tecnologia e inovação em saúde, orientando a produção de conhecimento e inovação para o SUS” e contou com a participação de Maria Guadalupe Medina (ISC/UFBA), Laís Silveira Costa (Fiocruz-Manguinhos) e Sebastião Loureiro (ISC/UFBA/ABrES), com coordenação de Gervásio Santos (FCE/UFBA).
A coordenadora executiva do Observatório de Análise Política em Saúde, Maria Guadalupe Medina (ISC/UFBA), apresentou o OAPS, seus princípios, objetivos, estrutura de governança, matriz de acompanhamento das políticas, eixos temáticos e produções científicas e técnicas. Guadalupe definiu o Observatório como “espaço que pretende não apenas informar, mas também propiciar o posicionamento, a reflexão crítica e a expressão de movimentos sociais, pesquisadores, gestores e trabalhadores em saúde”. Em sua apresentação, destacou aspectos potencialmente inovadores do Oaps em termos de linguagem, arquitetura, organização e possibilidade de conformação em rede, além da perspectiva ética e política plural. “O Observatório não é neutro”, declarou ao explicar que o espaço permite a incorporação de pontos de vista plurais e distintos e pretende dar voz a atores sociais, que no geral têm pouco espaço para expressar suas opiniões e vontades. “Convido a todos a contribuírem com essa nova ferramenta, essa nova forma de produção e difusão de conhecimentos em saúde”, encerrou.
“A inovação não é neutra”
A segunda apresentação do painel, da pesquisadora Laís Silveira Costa (Fiocruz-Manguinhos), teve como tema as prioridades na definição da política de Ciência e Tecnologia em saúde, entre elas o fortalecimento da formação teórica e da base científica das políticas de inovação no setor, a soberania da base produtiva – como essa base se relaciona com o sistema de saúde e o acesso a ele, e a construção de uma política de C&T voltada para a cidadania.
Laís enfatizou a importância de repensar a base de conhecimento de produção tecnológica numa abordagem integrada aos diversos interesses da saúde. Nesse sentido, citou a evolução dos insumos estratégicos, que continua concentrada em alguns países e em poucas empresas, sem que regiões remotas e populações mais vulneráveis tenham acesso. “A inovação não é neutra. Os processos de definição são políticos. […] Essas inovações são para quem? Uma vez incorporadas elas são sustentáveis? Essas inovações promovem exclusões?”, questionou a pesquisadora, que problematizou ainda a ligação direta entre a percepção de segurança, dignidade e qualidade na saúde e o acesso a novas tecnologias.
Paradigmas de inovação
O terceiro convidado do painel foi Sebastião Loureiro, pesquisador do ISC/UFBA/ABrES e também integrante da Comissão Científica do VI GTIS, que discutiu os paradigmas de inovação e modelos de gestão em saúde. Para Loureiro, hoje a saúde é uma grande indústria e os modelos e teorias precisam considerar isso. “Não existe contradição entre fazer um sistema de saúde público, honesto – no qual as pessoas que necessitam de exames, atenção e acesso a inovações tecnológicas não sejam excluídas – e que seja racional, ou seja, que as pessoas que realmente precisam tenham acesso”, afirmou.
O pesquisador abordou os conceitos de tecnologias organizacionais e industriais; a estrutura do paradigma técnico científico em saúde, baseada em três forças (poder de mercado, poder científico e poder institucional); e as inter-relações entre produtores de tecnologias, de desejos, de conhecimento e de leis e normas. Destacou ainda a participação do Observatório no espaço de debate, como uma forma de trazer fundamentos políticos para discutir a área de Inovação e Tecnologia. “Que estratégias políticas a gente pode utilizar para rever esse paradigma que estrutura a saúde?”, questionou.
Redes de tecnologias em saúde
O coordenador geral de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde, Tazio Vanni, foi o convidado da segunda conferência do VI GTIS, que discutiu os “Desafios para a Avaliação e Incorporação de Novas Tecnologias no Sistema de Serviços de Saúde”. Os trabalhos foram coordenados por Reinaldo Guimarães, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O conferencista destacou eventos científicos e fatos da área de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), como a criação da Rebrats – Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde, em 2011, e da Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, em 2009. Para ele, a perspectiva da tecnologia se ampliou nos últimos anos e precisa expandir mais, por exemplo, com a visão das tecnologias em saúde para além dos medicamentos. Vanni apresentou dados sobre as redes de tecnologias em saúde no Brasil, que conta com 1094 pesquisadores, e chamou atenção para o “efeito iceberg das redes de pesquisa que interligam e articulam instituições e pesquisadores”. Segundo ele, “é necessário mais integração entre universidades e institutos de pesquisa, governo e serviços de saúde”.
Conhecimento científico na gestão em saúde
O Painel 2 – Avaliação de Tecnologias na Tomada de Decisão em Saúde contou com a participação de Luis Eugenio de Souza (ISC/UFBA), Rosimary Almeida (UFRJ) e Evelinda Trindade (Secretaria de Saúde de São Paulo), com coordenação de Fernando Gusmão (ABrES, Secretaria de Saúde do Recife). Em sua apresentação sobre o uso de conhecimentos científicos na tomada de decisão em saúde, Luis Eugenio abordou o cenário de uso das tecnologias em saúde, que inclui problemas mal definidos e racionalidades concorrentes (sanitária e política), o contexto extra organizacional, o papel das preferências dos envolvidos, como as escolhas político-ideológicas, e os jogos de poder.
De acordo com o pesquisador do ISC/UFBA, há fatores que influenciam o uso de conhecimento científico na gestão da saúde, como a disponibilidade de acesso ao conhecimento produzido, a complexidade e adaptabilidade do conhecimento, compatibilidade com conhecimento prévio dos gestores, visibilidade dos eventuais benefícios da tecnologia, testagem e postura do pesquisador em relação à divulgação dos dados. Esses fatores se relacionam com circunstâncias relacionadas à gestão, como a cultura organizacional, receptividade a mudanças, valores e crenças, motivação, habilidades e cultura científica dos gestores.
Luis Eugenio aponta algumas soluções para estas questões, como a participação dos gestores na condução de pesquisas e a formulação e construção compartilhada de agendas de prioridade. Essa aproximação entre pesquisadores e gestores, segundo ele, tem que se dar em um contexto de ampla difusão do conhecimento científico para enriquecimento do senso comum.
Avaliações de tecnologias
A pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rosimary Almeida, discutiu o tema “Diferentes perspectivas da ATS: a experiência das agências e universidades” e apresentou experiências de avaliação de tecnologias realizada pela equipe do Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenhariana da UFRJ relacionadas ao tratamento oncológico. As avaliações tornaram possível constatar que o rendimento de algumas tecnologias estava afetado e prejudicava diagnósticos. “A gestão de tecnologias só vai acontecer no sistema de saúde se o dado for consistente, o método de análise apropriado e a decisão dos gestores resultar disso”, declarou.
Para discussão sobre “Avaliação de tecnologias para a incorporação no SUS: a necessidade de diferentes abordagens metodológicas”, a representante da Secretaria de Saúde de São Paulo, Evelinda Trindade, apresentou diferentes iniciativas de avaliações de saúde no Canadá e no estado de São Paulo. Ela apontou que é necessário um aumento das avaliações das tecnologias de saúde como forma de controle social dos recursos gastos e para planejamento em saúde com bases sólidas, “da vida real”. Evelinda também defendeu que é preciso repensar o processo de decisão do uso dessas tecnologias, considerando a consulta da população sobre qual tecnologia deve ser prioridade para o uso do recurso.
Políticas do CNPq para formação
A terceira conferência do GTIS trouxe o debate em torno das políticas do CNPq para formação avançada de pesquisadores e para o desenvolvimento de programa de pesquisa em Tecnologia e Inovação em Saúde. O convidado foi Marcelo Marcos Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde – DABS/CNPq, que apresentou os objetivos, a estrutura de chamadas públicas e bolsas e as ações do CNPq em 2014 – bolsas, programa Ciências sem Fronteiras e editais. Morales destacou o papel dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) e dos editais universais, considerados prioridades para o CNPq.
O diretor pontuou ainda algumas expectativas do órgão, como a atração de talentos, melhora na educação básica, internacionalização, debate na sociedade sobre o valor e a importância da ciência e maior atenção aos grandes desafios nacionais no fomento às pesquisas. Em debate após o painel, o diretor foi questionado sobre crise nos recursos para pesquisa em 2015 e o orçamento previsto em 2016. De acordo com Morales, o orçamento foi votado tardiamente em 2015 e saiu “pingado” ao longo do ano. “O ano de 2015 não existiu para o CNPq devido a falta de recursos. Foi tudo postergado para 2016. Avalia em 2015 e sai em 2016”, afirmou.
Sobre o orçamento de 2016, Morales explicou que ainda não há informações disponíveis – não se sabe o valor a ser destinado para a área de ciência e tecnologia, se haverá cortes e qual seria a extensão destes. Relatou ainda que 50% dos royalties do pré-sal já foram destinados para as áreas de educação e saúde, mas como não há destino para os outros 50%, há um esforço do Ministério de Ciência e Tecnologia para destinar parte desse recurso para a área. A falta de confirmação de recursos para projetos estruturantes foi alvo de debates entre pesquisadores da plateia, que demonstraram receio de que estes sejam foco de cortes no orçamento.
Oficinas
O GTIS continua hoje (4) com a realização de oficinas que discutem a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e os Modelos Avançados em Avaliação de Tecnologias em Saúde. No final do evento, os relatórios das oficinas serão debatidos para criação de propostas de encaminhamento de ações na área.