“Será que estamos mais preocupados com as doenças ou com as pessoas?”. A provocação é da epidemiologista Joilda Nery, professora e vice-diretora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, durante a miniconferência “Racismo e população negra: um olhar sobre as doenças negligenciadas e infecciosas”, realizada na tarde de ontem (13), no 58º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop 2023).
Sob coordenação da professora Marilda de Souza Gonçalves (FFAR-UFBA), diretora do Instituto Gonçalo Moniz – Fiocruz/Bahia, a sessão abordou as principais barreiras no processo de investigação da saúde da população negra, tanto nas universidades como nos serviços de saúde.
Na apresentação, a professora Joilda Nery destacou inicialmente a falta de conhecimento dos pesquisadores e profissionais de saúde sobre a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, “Como podemos estar em um congresso voltado para as doenças que têm relação direta com a pobreza e que afetam, principalmente a população negra, e a maioria dos participantes não conhece a principal política referente a esse seguimento populacional, por exemplo?”, questionou a professora.
Para Joilda Nery, a abordagem científica deve levar em consideração diversos aspectos, como os saberes tradicionais e as diferentes demarcações culturais e étnicas. “Falar de populações negras e indígenas é considerar as diferentes especificidades dentro do mesmo seguimento populacional”, observou. Segundo a professora, o olhar sobre essas questões também não deve se restringir apenas às ciências sociais da saúde. “É preciso avançar na formação continuada de profissionais da saúde e dos futuros pesquisadores nas diversas áreas”, disse.
Joilda Nery criticou ainda a ausência de análises estratificadas, um embasamento teórico e a incompletude de dados sobre raça/cor para a maioria das doenças negligenciadas. “Cadê a discussão étnico-racial? Vale lembrar que essas doenças afetam justamente os seguimentos da população negra que estão em maior situação de vulnerabilidade”, alertou.
Ela também chamou atenção para a importância de uma comunicação mais eficiente com a sociedade civil sobre os achados das pesquisas científicas. “Não adianta a gente produzir nossos trabalhos com o máximo rigor teórico, metodológico, publicar nas melhores revistas internacionais, e a população negra investigada, que é a mais interessada, não acessar esses trabalhos”.
Durante a sessão, Joilda Nery compartilhou com os congressistas trabalhos desenvolvidos pela equipe de pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva e que estão debruçados sobre as pesquisas em racismo e saúde. Os estudos vão desde avaliação do impactos do Bolsa Família na hanseníase no Brasil à investigação sobre as condições de saúde de pessoas em situação de rua e quilombolas.
Para a professora, os trabalhos mostram, desde a sua metodologia, um esforço constante para a construção de pesquisas mais assertivas e atentas a questões como o racismo e as inúmeras diferenças dentro dos grupos populacionais. “Que possamos sair da zona de conforto e ir ao encontro, à escuta e ao diálogo. Certamente, vamos aprender muito”, concluiu.