A pesquisa “Condições de Saúde da População em Situação de Rua de Salvador”, conduzida por pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA) e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (FMB/UFBA) expõe dados sobre a ocorrência de doenças, uso de álcool e outras drogas, saúde sexual e reprodutiva, acesso aos serviços de saúde e à rede de assistência social e outras questões relacionadas ao quadro social e de saúde dessa população. O inquérito é resultado de uma articulação que envolveu entidades, movimentos sociais, instituições de ensino e pesquisa e secretarias municipais, entre diversas parcerias. Entre os meses de setembro de 2021 e fevereiro de 2022, 523 pessoas maiores de 18 anos em situação de rua foram entrevistadas na capital baiana.
As entrevistas foram realizadas em Unidades de Acolhimento Institucional (UAI) da Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (SEMPRE) e nas ruas, em áreas de atuação das cinco equipes de Consultório na Rua (Pelourinho, Gamboa, Itapagipe, Brotas e Itapuã). Os participantes tinham idade entre 18 e 78 anos. A maioria se identificou como homem cis; com raça/cor autodeclarada preta; de orientação heterossexual; natural de Salvador; com escolaridade até o ensino fundamental incompleto. Além disso, 21,2% relataram apresentar algum tipo de deficiência, majoritariamente física. O tempo de sobrevivência nas ruas variou de menos de seis meses (21%) a mais de 20 anos (13,5%).
A pesquisa identificou a ocorrência de doenças infecciosas – HIV, HTLV, sífilis, hepatites B e C, Covid-19, dengue, zika, chikungunya, leptospirose, tuberculose e hanseníase – e doenças crônicas não transmissíveis – doença falciforme, hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças respiratórias, distúrbios psiquiátricos, dentre outras – entre os/as entrevistados/as. As substâncias psicoativas mais utilizadas ao menos uma vez na vida foram bebidas alcoólicas (81%), derivados do tabaco (75,2%;), maconha (60,1%), cocaína/crack (55,2%), inalantes (24,8%), sedativos (19,8%), seguidos de alucinógenos, anfetamina ou êxtase, opioides e outras substâncias (menos de 10%). Além disso, 68,7% responderam nunca terem realizado tratamento ou acompanhamento por uso de drogas.
O inquérito também traz dados sobre uso de preservativos nas relações sexuais (39,2% faziam uso irregular e 20,8% nunca havia usado), métodos contraceptivos (40,5% afirmaram não usar) e consultas pré-natais. Um total de 36,2% das pessoas entrevistadas relataram ter dificuldade para acessar serviços de saúde. Sobre os serviços de saúde mental, 22,4% afirmaram ter sido internadas em comunidades terapêuticas ou centros de recuperação e 14% referiram ter feito ou fazer acompanhamento em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Na época da aplicação do questionário, quase a metade das pessoas entrevistadas (45,7%) afirmaram passar pelo menos um dia inteiro sem se alimentar durante a semana que antecedeu a entrevista e apenas 23,8% fizeram quatro ou mais refeições ao dia. As respostas mostraram que o acesso à água para consumo geral costuma ser nas UAIs, bicas e/ou minas d’água e postos de gasolina ou outros estabelecimentos comerciais.
O inquérito mostra ainda que 50,7% dos entrevistados nunca tiveram vínculo empregatício formal. Entre aqueles que realizam trabalho informal, a maioria é catador de materiais recicláveis, vendedor e guardador ou lavador de carro. 42,6% afirmaram ter sofrido agressões, ameaças ou outro tipo de violência enquanto trabalhavam.
A maioria das pessoas era registrada no Cadastro Único para Programas Sociais (CADÚnico) e os benefícios já recebidos foram Programa Bolsa Família, Auxílio Emergencial do Governo Federal; Auxílio Moradia. Apenas 3,3% foram contempladas no Programa Minha Casa Minha Vida.
Pesquisadores/as do estudo destacam a importância de incorporar a população em situação de rua no censo demográfico IBGE e produzir inquéritos periódicos que ajudam a traçar um panorama mais preciso sobre o segmento. As recomendações ressaltam ainda que o reconhecimento do racismo enquanto determinante indica a necessidade de integração das políticas de Saúde Integral da População Negra e Nacional para a População em Situação de Rua, bem como o fortalecimento de ambas, com financiamento adequado. Sugerem ainda que parte das medidas de proteção social e sanitária adotadas durante a pandemia sejam mantidas.
Outros dados do inquérito podem ser acessados aqui.
O inquérito foi uma iniciativa dos profissionais do grupo de trabalho sobre monitoramento da Covid-19 do Comitê Técnico Municipal de Saúde da População em Situação de Rua Maria Lúcia Santos Pereira da Silva. “A pesquisa só foi possível em virtude das diversas parcerias entre atrizes e atores que atuam nos movimentos sociais, equipes de saúde e assistência social, instituições de ensino, pesquisa e extensão. Uma força coletiva que possibilitou ampliar as evidências em relação ao perfil epidemiológico da população em situação de rua de Salvador com o intuito de contribuir para a garantia do direito à saúde no âmbito do SUS e proteção social no Sistema Único de Assistência Social (SUAS)”, afirma a professora Joilda Nery (ISC/UFBA), uma das coordenadoras do estudo, que não contou com financiamento.
A pesquisa foi realizada com o apoio do Movimento Nacional de População de Rua, Equipes de Consultório na Rua, Instituto Gonçalo Moniz/Fiocruz, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Defensoria Pública do Estado da Bahia, Fórum de Catadores e de Catadoras de Rua e em Situação de Rua da Bahia, S3 Gestão em Saúde, Programa Corra Pro Abraço, Cata Rua, CAPS Gregório de Matos, Obras Sociais Irmã Dulce, SEMPRE e Secretaria Municipal de Saúde de Salvador.