Mais de 6 milhões de bebês nasceram de mães adolescentes no Brasil, no período de 2008 a 2019, e a maioria das meninas e jovens que tiveram filhos são indígenas e negras. Os dados são de um estudo desenvolvido por meio de uma parceria entre o Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia e o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa). A pesquisa mostra também que as regiões Norte e Nordeste concentram os maiores números de mães adolescentes do país, que têm entre 10 e 19 anos.

O trabalho integra o projeto “Desigualdades e Gravidez na Adolescência”, que investiga a incidência de gravidez e maternidade em adolescentes brasileiras a partir da análise de bancos de dados nacionais. A cartilha “Sem Deixar Ninguém para Trás: Gravidez, Maternidade e Violência Sexual na Adolescência”, primeira publicação do projeto, de fevereiro de 2023, traz dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-Datasus), do Ministério da Saúde.

A publicação alerta para as condições relacionadas à gravidez de meninas, especialmente desigualdades estruturais de raça e gênero. A pesquisa expõe que, de 2008 a 2019, dos 6.118.205 bebês nascidos de mães adolescentes no Brasil, 296.959 (4,86%) são de mães com idade entre 10 a 14 anos e 5.821.246 (95,14%) nascidos de mães com idade entre 15 e 19 anos. Na primeira faixa etária, de 10 a 14 anos, o maior percentual de nascidos vivos foi identificado entre as meninas indígenas e o número chegou a ser 4 vezes maior quando comparado com dados encontrados sobre meninas brancas.

As pesquisadoras constataram que houve redução do número de bebês com mães adolescentes no país durante o período analisado, mas há disparidades na faixa etária de 10 a 14 anos, com menor redução entre meninas negras: para adolescentes brancas, os percentuais encontrados foram 0,69% em 2008 e 0,34% em 2019; para as adolescentes pretas, a queda começou a partir de 2012, com 0,90%, chegando a 0,59% em 2019; e para as pardas, a redução iniciada em 2014 (1,16%) atingiu 0,85% em 2019. No caso da faixa etária de 15 a 19 anos, os padrões de redução foram semelhantes nos grupos raciais analisados.

Sobre a escolaridade, a maioria (57,5%) das mães adolescentes têm 8 a 11 anos de estudo, seguido de 34,3% que estudaram por 4 a 7 anos. Um a 3 anos de estudo é a escolaridade de 3,8% das mães; 2,4% das meninas estudaram 12 anos ou mais.

A docente do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA Dandara Ramos, epidemiologista que integra a coordenação de estudo do Cidacs/Fiocruz, destaca a importância do conjunto de resultados em apontar demandas para políticas públicas direcionadas – “No momento atual do país, urge a reconstrução das políticas voltadas para saúde sexual e reprodutiva, especialmente para as populações negra e indígena”.

“Os dados são de acesso público, mas o esforço que fizemos em sumarizar e discutir as desigualdades teve a intenção de apontar prioridades. O percentual de maternidade adolescente entre meninas brancas observado em 2008, por exemplo, só foi observado entre meninas negras em 2020. Mais de dez anos depois. O ‘sem deixar ninguém para trás’ fala sobre isso, sobre como políticas públicas universalistas acabam por atender mais rápido ou primeiro aqueles grupos que já estão em melhor situação. Precisamos de políticas voltadas à redução das iniquidades”, afirmou.

Acesso ao pré-natal

Enquanto 52,2% das adolescentes de 15 a 19 anos realizaram 7 ou mais consultas de pré-natal, esse percentual é 43,6% entre as meninas de 10 a 14 anos. A cartilha destaca que na faixa etária mais jovem, 3,3% das meninas e adolescentes informaram não ter realizado nenhuma consulta de pré-natal; no grupo etário de 15 a 19 anos, o percentual foi 2,5%.

Importante indicador da garantia de direitos reprodutivos e de saúde, o acesso ao pré-natal é desigual também ao se observar os grupos raciais, sendo as meninas indígenas o grupo com menor acesso a 7 ou mais consultas – 20,8% e 26,6% respectivamente paras as faixas de 10 a 14 anos e 15 a 19. No grupo de adolescentes negras, também nos dois grupos etários (10 a 14 anos e 15 a 19), 40,4% e 47,4% das pardas e 41,9% e 50,2% das jovens pretas tiveram acesso a no mínimo 7 consultas. Os maiores percentuais de acesso foram identificados entre adolescentes brancas: 56,6%; 64,3%.

Meninas indígenas, pretas e pardas também são as mais impactadas quando o indicador é ‘Nenhuma consulta de pré-natal realizada’. Entre as indígenas de 10 a 14 anos, 10,9% não tiveram acesso às consultas, assim como 3,3% das pretas e pardas (3,3%). O quadro se repete na faixa de 15 a 19 anos: 7,9% das indígenas, 3% das pretas e 2,7% das pardas não realizaram nenhuma consulta de pré-natal.

Violações e violência

O estudo chama a atenção para os casamentos infantis, que envolvem pelo menos um cônjuge abaixo dos 18 anos e, na América Latina, são frequentemente constituídos por homens adultos e meninas na fase da infância e adolescência. No período analisado, do total de mães adolescentes, 29,2% vivenciavam algum tipo de relação conjugal (casamento ou união consensual). Esse índice foi maior entre jovens indígenas em ambas as faixas etárias em comparação com os outros grupos raciais estudados.

As pesquisadoras destacam que há “fortes evidências de gravidez relacionada a situações de violências sexuais” na faixa de 10 a 14 anos e, portanto, a possibilidade de acesso ao aborto legal, conforme a legislação brasileira. Um total de 69.418 atendimentos em serviços de saúde decorrentes de violência sexual contra meninas e adolescentes foram registrados no país, segundo o SINAN, de 2015 a 2019. As meninas de 10 a 14 anos foram as principais vítimas (66,92%) destes casos; as de 15 a 19 anos representaram 33,08% do total.

Adolescentes negras (pretas e pardas) foram as que mais sofreram violência sexual, com 64,18% do total de casos. E é na residência que 63,16% dos casos de violência registrados aconteceram, de 2015 a 2019. “A proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual foi uma agenda muito prejudicada pelo último governo, desde fake news a violações aberrantes. Retomar essa agenda de forma séria e comprometida com as evidências científicas é urgente”, alertou a professora Dandara Ramos.

O trabalho foi desenvolvido em co-autoria com Emanuelle Góes, docente colaboradora do PPGSC-ISC, e Andrêa Ferreira, egressa do instituto, e com a colaboração de Everly Teixeira, mestranda do programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.

Para ler a cartilha que traz dados do estudo, acesse: https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/cartilha-unfpa-digital.pdf