Pesquisadores ouviram 579 trabalhadores de praia entre novembro de 2023 e março de 2024

Mais de 40% dos entrevistados relataram acidentes nos últimos 12 meses. Informalidade, jornadas extensas e falta de proteção aumentam riscos

Um estudo conduzido pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) revelou dados preocupantes sobre as condições de trabalho nas praias de Salvador. Segundo a pesquisa, quatro em cada dez trabalhadores de praia (40%) relataram ter sofrido acidentes de trabalho no período de um ano. As perfurações por objetos pontiagudos enterrados na areia (42,7%), os cortes (28,4%) e as queimaduras (12,1%) foram os tipos de acidente mais frequentes.

Publicado na revista científica PLOS ONE, o estudo ouviu 579 trabalhadores distribuídos em cinco praias urbanas da capital baiana — Amaralina, Itapuã, Jardim de Alah, Piatã e Ribeira — entre novembro de 2023 e março de 2024. A pesquisa buscou compreender não apenas a ocorrência dos acidentes, mas também seus determinantes, reunindo informações sociodemográficas e dados relacionados à natureza e às condições de trabalho.

Segundo o estudo, trabalhadores com até 29 anos têm mais que o dobro do risco de sofrer acidentes de trabalho em comparação aos que têm 60 anos ou mais. “Os mais jovens adotam rotinas de trabalho mais intensas e, consequentemente, estão expostos a mais riscos ocupacionais. Além disso, a falta de uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e a ausência de experiência ou treinamento podem aumentar essa vulnerabilidade”, explica o professor Cleber Cremonese, coordenador do estudo.

Riscos invisíveis

Consideradas a principal causa de acidentes de trabalho nas praias, as perfurações — que geralmente atingem os membros inferiores desses trabalhadores — estão associadas à rotina de vendedores ambulantes e garçons, que precisam circular pela areia para atender os clientes. “Um fator-chave que contribui para esse padrão de acidentes de trânsito é o consumo de queijo coalho. Esses espetos afiados são frequentemente descartados de forma descuidada, representando um risco considerável de lesões por perfuração para os trabalhadores que transitam pela praia durante suas atividades diárias”, aponta o professor.

Entre as mulheres, destaca-se a alta ocorrência de queimaduras — cinco vezes mais frequentes em relação aos homens. Segundo o levantamento, essa exposição está relacionada principalmente à preparação de alimentos como o acarajé, que exige o manuseio de óleo quente em estruturas improvisadas e sem proteção adequada.

Excesso de trabalho e ausência de proteção

De forma geral, os trabalhadores de praia precisam enfrentar longas caminhadas sobre a areia quente, exposição prolongada ao sol, disputas por espaço para trabalhar e ausência de qualquer tipo de apoio institucional.

A rotina de trabalho também é marcada por jornadas exaustivas. Sete em cada dez trabalhadores (70,2%) atuam mais de oito horas por dia, e 35,2% trabalham a semana inteira sem nenhum dia de folga. O esforço físico também é constante: 73% relataram carregar cargas pesadas no exercício das atividades.

Mesmo diante desses riscos, a proteção era mínima. Quase 65% dos trabalhadores afirmaram não usar nenhum tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI), e 88% nunca receberam qualquer treinamento relacionado ao trabalho, seja por parte do poder público ou de organizações de trabalhadores.

De acordo com o estudo, a elevada prevalência de acidentes de trabalho e a ausência de vínculos formais de trabalho acentuam a vulnerabilidade social desses trabalhadores, comprometendo a sua capacidade de sustento e acesso à rede de proteção social. “Eles atuam na informalidade, sem nenhum tipo de cobertura, como o direito à licença médica, indenização por acidente, licença-maternidade e benefícios de aposentadoria”, alerta o professor.

Perfil dos trabalhadores

O estudo também traçou o perfil predominante dos trabalhadores de praia de Salvador: homens (59%), com até 29 anos (25%), pretos (55%) ou pardos (37%), solteiros (64%) e sem o ensino médio completo (59%).

Para a maior parte dos entrevistados (74%), o trabalho na praia representava a sua principal fonte de renda. Ainda assim, os ganhos eram baixos. Em média, esses trabalhadores afirmaram receber menos de 120 reais por dia durante a semana. Nos finais de semana, quando há maior movimentação nas praias, a diária chegava a 200 reais. A renda mensal média relatada foi de R$ 2.060, menos da metade do salário médio dos trabalhadores formais da capital baiana, que era de R$ 4.200,00 em 2022.

Além dos acidentes, o estudo também identificou uma série de agravos relacionados à saúde do trabalho. Entre os entrevistados, 25,5% relataram infecções de pele, 18,1% tinham lesões por esforço repetitivo (LER/DORT) e 4,4% apresentavam perda auditiva induzida por ruído (PAIR).

“Esses achados sugerem que intervenções futuras devem se concentrar em abordar as condições de trabalho adversas, incluindo alta informalidade, longas jornadas de trabalho e falta de treinamento para reduzir as lesões e melhorar o bem-estar geral desses trabalhadores”, conclui Cremonese.

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