Foto: Governo de São Paulo

Pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia divulgaram uma nota técnica sobre a atual crise sanitária provocada por intoxicações causadas pela ingestão de bebidas adulteradas com metanol, que já resultou em dezenas de casos confirmados e mortes em diferentes estados do país.

Segundo a nota, a situação “expressa mais um sintoma de uma sociedade negligente com a exposição da população a riscos relacionados ao consumo de produtos sem as devidas certificações de qualidade”, e reforça a necessidade de fortalecer os mecanismos de regulação, fiscalização e vigilância sanitária em todas as esferas de governo.

Contexto e gravidade do problema

O metanol é uma substância tóxica e altamente perigosa, usada em solventes, combustíveis e produtos industriais. Quando ingerido, é metabolizado em formaldeído e ácido fórmico, compostos que podem causar cegueira, danos neurológicos e óbito. Nenhuma bebida pode conter metanol — sua presença, mesmo em pequenas quantidades, indica adulteração.

De acordo com os dados apresentados na nota, até 21 de outubro de 2025 foram registrados 47 casos confirmados de intoxicação, sendo 38 em São Paulo, 5 no Paraná, 3 em Pernambuco e 1 no Rio Grande do Sul. Outros 57 casos estão sob investigação, além de 10 óbitos confirmados e 7 em análise.

Os pesquisadores lembram que o Brasil já enfrentou surtos semelhantes desde os anos 1990, incluindo um caso emblemático ocorrido em Nova Canaã (BA), em 1999, com 88 notificações, 35 mortes e taxa de letalidade de 49,3%.

Falhas na fiscalização e riscos de mercado ilegal

A nota destaca que o episódio atual “revela o enfraquecimento dos aparatos regulatórios e da capacidade fiscalizatória do Estado”. As inspeções realizadas por equipes de vigilância sanitária e pela Polícia Federal encontraram fábricas clandestinas, garrafas reutilizadas e bebidas falsificadas em estabelecimentos comerciais.

Segundo dados do setor, cerca de 40% do mercado de destilados no Brasil é ocupado por produtos ilegais, provenientes principalmente de contrabando e falsificação, o que demonstra “a urgência e a responsabilidade da ação fiscalizadora”, afirmam os autores.

Respostas institucionais e papel do SUS

O Ministério da Saúde instalou uma Sala de Situação de Crise, mobilizando ações de vigilância, aquisição de antídotos e insumos — entre eles o fomepizol, medicamento utilizado no tratamento de intoxicações por metanol — e articulação entre estados e municípios. Também atua em conjunto com o Ministério da Agricultura, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Anvisa e Polícia Federal para identificar e eliminar as fontes de bebidas adulteradas.

A nota ressalta que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem papel fundamental no enfrentamento da crise, pois é responsável por garantir “condições para a proteção e recuperação da saúde, bem como pela fiscalização e inspeção de alimentos, águas e bebidas para consumo humano”, conforme previsto na Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990).

Comunicação de risco e direito à informação

Os pesquisadores também chamam atenção para a importância da comunicação de risco em situações de emergência sanitária. “Informar e orientar a população é também uma medida de proteção da saúde e de prevenção de doenças”, destaca o texto.

Entre as medidas recomendadas estão:

  • Informar à população como reconhecer bebidas originais de fábrica;
  • Reforçar a fiscalização de bares, adegas, restaurantes e distribuidoras;
  • Estimular a denúncia de produtos suspeitos aos serviços de vigilância sanitária locais;
  • Mobilizar agentes comunitários de saúde na identificação precoce de sintomas e encaminhamento dos casos.

Os autores concluem que a atual crise deve servir como alerta para a necessidade de fortalecer as estruturas do Estado voltadas à proteção da saúde pública e combater de forma sistemática a circulação de produtos ilegais que colocam vidas em risco.

Leia na íntegra clicando aqui.

Nota elaborada por:
Ediná Alves Costa, Ana Cristina Souto, Maria Lígia Rangel e Juarez Pereira Dias
Instituto de Saúde Coletiva – Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA)