[:pb]Autores: Dandara de Oliveira Ramos (Epidemiologista, Professora Adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, Cidacs-Fiocruz Bahia) e Nassor de Oliveira Ramos (Cientista Político, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO)
Em meio ao maior desafio sanitário do século, a humanidade vem assistindo, quase que em tempo real, à evolução dos números de casos e óbitos, assim como às consequentes mudanças impostas em suas rotinas diárias. Todo este ciclo de informações, que se inicia na testagem, passa pelas hospitalizações, casos recuperados e vidas perdidas, é documentado e, nos melhores cenários, utilizado para fundamentar políticas e tomar decisões. Em linhas básicas, os dados estão no centro de nossa inteligência sobre a pandemia e de nossa capacidade de agir sobre ela.
A pandemia de Covid-19 vem produzindo uma quantidade massiva de dados. À medida que os países lutam para construir cenários realistas e visualizar a real escala do problema, a comunidade científica ao redor do mundo faz sua parte coletando e sistematizando informação sobre distanciamento social com base na geolocalização de celulares e monitoramento de trânsito, assim como empreende imensos esforços de modelagem para prever a carga epidêmica e as necessidades dos serviços de saúde [1]. Diante das profundas incertezas que enfrentamos, a ciência através desses dados vem fornecendo fatos tangíveis mesmo diante de muitas incógnitas.
Não há dúvidas que os dados são ferramentas essenciais na elaboração de respostas, alocação de recursos e avaliação da eficácia de intervenções, como o distanciamento social e o uso de máscaras, por exemplo. No entanto, dados incompletos, incorretos ou, no pior dos cenários, indisponíveis, tornam o cenário da pandemia ainda mais difícil. Sem dados, ou com dados ruins, corremos o risco de ignorar riscos reais, criar falsas ondas de pânico (ou de segurança), ignorar realidades socioeconômicas graves e negligenciar subpopulações e grupos vulneráveis. Em meio à crise atual, uma má gestão dos dados gera consequências graves para milhões de vidas.
Dito isto, não há dúvidas que a disponibilidade de dados de forma aberta e transparente é fundamental para o enfrentamento da pandemia. Porém, entraves impostos por decisões políticas têm causado diversas limitações ao conhecimento e à ação em saúde no Brasil e no mundo.
Referência mundial no campo da saúde pública, a John Hopkins University, nos Estados Unidos, criou um portal de monitoramento da transparência dos dados sobre a epidemia no país e reporta que, até o presente momento, apenas quatro, dos 50 estados norte-americanos reportam seus dados sobre testagem com a identificação racial dos indivíduos testados para a Covid-19. Nas declarações de óbitos, por sua vez, sete estados não divulgam a raça dos falecidos [2].
No Brasil, a situação é ainda mais grave. Dados nacionais sistematizados sobre testagem são inexistentes e toda a cobertura que se tem sobre o diagnóstico da COVID no país está restrita à esfera jornalística [3]. Ademais, entre os registros de óbitos por síndrome respiratória aguda grave – SRAG (incluindo óbitos por Covid-19 até 04/06/2020) divulgados pelo Ministério da Saúde, na base de dados das notificações realizadas pelas unidades de saúde públicas e privadas, 36% dos óbitos tinham o campo raça/cor “Ignorado” ou em branco. Percentuais similares de falta de informação também são encontrados nos dados sobre internações e pacientes recuperados [4].
A baixa qualidade desses dados é de particular importância para a saúde pública. Sabemos que a população negra brasileira, por exemplo, encontra-se em situação de vulnerabilidade em saúde por apresentar maiores prevalências de fatores de risco para óbito pela Covid-19, como hipertensão, obesidade e diabetes [5]. Além de serem a grande maioria entre trabalhadores informais e na população de rua, subgrupos que enfrentam severas limitações para o cumprimento das medidas de prevenção como o isolamento social e o uso de máscaras [6,7]. Sem dados qualificados sobre o impacto da COVID nessa população, corremos o risco de aprofundar intensamente tais desigualdades raciais em saúde.
Clique aqui para ler o texto na íntegra.[:en]Authors: Dandara de Oliveira Ramos (Epidemiologist, Adjunct Professor at the Collective Health Institute of UFBA, Cidacs-Fiocruz Bahia) and Nassor de Oliveira Ramos (Political Scientist, Federal University of the State of Rio de Janeiro / UNIRIO)
In the midst of the greatest health challenge of the century, humanity has been watching, almost in real time, the evolution of the numbers of cases and deaths, as well as the consequent changes imposed in its daily routines. This entire cycle of information, which begins with testing, goes through hospitalizations, recovered cases and lost lives, is documented and, in the best scenarios, used to support policies and make decisions. Basically, data is at the center of our intelligence about the pandemic and our ability to act on it.
The Covid-19 pandemic has been producing a massive amount of data. As countries struggle to build realistic scenarios and visualize the real scale of the problem, the scientific community around the world does its part by collecting and systematizing information on social distance based on the geolocation of cell phones and traffic monitoring, as well as undertaking immense modeling efforts to predict the epidemic burden and health service needs [1] . Given the deep uncertainties we face, science through these data has been providing tangible facts even in the face of many unknowns.
There is no doubt that data are essential tools in preparing responses, allocating resources and assessing the effectiveness of interventions, such as social distance and the use of masks, for example. However, incomplete, incorrect or, at worst, unavailable data , make the pandemic scenario even more difficult. Without data, or with bad data, we run the risk of ignoring real risks, creating false waves of panic (or security), ignoring serious socioeconomic realities and neglecting vulnerable subpopulations and groups. In the midst of the current crisis, poor data management has serious consequences for millions of lives.
Having said that, there is no doubt that the availability of data in an open and transparent way is fundamental for facing the pandemic . However, barriers imposed by political decisions have caused several limitations to health knowledge and action in Brazil and worldwide.
A world reference in the field of public health, John Hopkins University, in the United States, created a portal for monitoring the transparency of data on the epidemic in the country and reports that, to date, only four of the 50 US states report their testing data with racial identification of individuals tested for Covid-19. In the death certificates, in turn, seven states do not disclose the race of the deceased [2] .
In Brazil, the situation is even more serious. Systematic national data on testing are non-existent and all the coverage that has been given about the diagnosis of COVID in the country is restricted to the journalistic sphere [3] . Furthermore, among the records of deaths due to severe acute respiratory syndrome – SRAG (including deaths by Covid-19 until 06/04/2020) released by the Ministry of Health, in the database of notifications made by public and private health units, 36 % of deaths had the race / color field “Ignored” or blank. Similar percentages of lack of information are also found in the data on hospitalizations and recovered patients [4] .
The low quality of these data is of particular importance for public health. We know that the black Brazilian population, for example, is in a situation of health vulnerability because it has a higher prevalence of risk factors for death by Covid-19, such as hypertension, obesity and diabetes [5] . In addition to being the vast majority among informal workers and the homeless, subgroups that face severe limitations to comply with preventive measures such as social isolation and the use of masks [6,7] . Without qualified data on the impact of COVID on this population, we run the risk of intensifying these racial inequalities in health.
Click here to read the full text.[:es]Autores: Dandara de Oliveira Ramos (epidemióloga, profesora adjunta del Instituto de Salud Colectiva de la UFBA, Cidacs-Fiocruz Bahía) y Nassor de Oliveira Ramos (politóloga, Universidad Federal del Estado de Río de Janeiro / UNIRIO)
En medio del mayor desafío de salud del siglo, la humanidad ha estado observando, casi en tiempo real, la evolución del número de casos y muertes, así como los cambios consiguientes impuestos en sus rutinas diarias. Todo este ciclo de información, que comienza con las pruebas, pasa por hospitalizaciones, casos recuperados y vidas perdidas, se documenta y, en los mejores escenarios, se utiliza para respaldar políticas y tomar decisiones. Básicamente, los datos están en el centro de nuestra inteligencia sobre la pandemia y nuestra capacidad para actuar en consecuencia.
La pandemia de Covid-19 ha estado produciendo una gran cantidad de datos. A medida que los países luchan por construir escenarios realistas y visualizar la escala real del problema, la comunidad científica de todo el mundo hace su parte mediante la recopilación y sistematización de información sobre la distancia social basada en la geolocalización de los teléfonos celulares y el monitoreo del tráfico, además de emprender una inmensa modelando los esfuerzos para predecir la carga epidémica y las necesidades de servicios de salud [1] . Dadas las profundas incertidumbres que enfrentamos, la ciencia a través de estos datos ha estado proporcionando hechos tangibles incluso ante muchas incógnitas.
No hay duda de que los datos son herramientas esenciales para preparar respuestas, asignar recursos y evaluar la efectividad de las intervenciones, como la distancia social y el uso de máscaras, por ejemplo. Sin embargo, los datos incompletos, incorrectos o, en el peor de los casos, no disponibles , hacen que el escenario de la pandemia sea aún más difícil. Sin datos, o con datos incorrectos, corremos el riesgo de ignorar riesgos reales, crear falsas oleadas de pánico (o seguridad), ignorar realidades socioeconómicas serias y descuidar subpoblaciones y grupos vulnerables. En medio de la crisis actual, la mala gestión de los datos tiene graves consecuencias para millones de vidas.
Dicho esto, no hay duda de que la disponibilidad de datos de manera abierta y transparente es fundamental para enfrentar la pandemia . Sin embargo, las barreras impuestas por las decisiones políticas han causado varias limitaciones al conocimiento y la acción en salud en Brasil y en todo el mundo.
Una referencia mundial en el campo de la salud pública, la Universidad John Hopkins, en los Estados Unidos, creó un portal para monitorear la transparencia de los datos sobre la epidemia en el país e informa que, hasta la fecha, solo cuatro de los 50 estados de EE. UU. Informan sus datos de prueba con identificación racial de individuos probados para Covid-19. En los certificados de defunción, a su vez, siete estados no revelan la raza del difunto [2] .
En Brasil, la situación es aún más grave. Los datos nacionales sistemáticos sobre las pruebas son inexistentes y toda la cobertura que se ha dado sobre el diagnóstico de COVID en el país está restringida al ámbito periodístico [3] . Además, entre los registros de muertes por síndrome respiratorio agudo severo – SRAG (incluidas las muertes por Covid-19 hasta el 06/04/2020) publicado por el Ministerio de Salud, en la base de datos de notificaciones realizadas por unidades de salud públicas y privadas, 36 El% de muertes tenía el campo de raza / color “Ignorado” o en blanco. Porcentajes similares de falta de información también se encuentran en los datos sobre hospitalizaciones y pacientes recuperados [4] .
La baja calidad de estos datos es de particular importancia para la salud pública. Sabemos que la población brasileña negra, por ejemplo, se encuentra en una situación de vulnerabilidad de la salud porque tiene una mayor prevalencia de factores de riesgo de muerte por Covid-19, como hipertensión, obesidad y diabetes [5] . Además de ser la gran mayoría entre los trabajadores informales y las personas sin hogar, los subgrupos que enfrentan limitaciones severas para cumplir con las medidas preventivas como el aislamiento social y el uso de máscaras [6,7] . Sin datos calificados sobre el impacto de COVID en esta población, corremos el riesgo de intensificar estas desigualdades raciales en la salud.