O lugar da universidade pública na sociedade contemporânea foi o tema discutido no primeiro painel do Congresso Interno do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), realizado nesta segunda-feira (30). O evento, que marca a celebração dos 30 anos do ISC, reuniu o ex-reitor da UFBA e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Naomar de Almeida Filho, a reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Gulnar Azevedo e Silva, e o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) José Daniel Diniz Melo. A mediação da atividade foi da professora e vice-diretora do ISC/UFBA, Joilda Nery.
Professor aposentado do ISC, Naomar de Almeida destacou os efeitos políticos da recente transformação digital no modo de produção capitalista, que incluem a crise do Estado de bem estar, a redução de políticas públicas, a globalização do autoritarismo, negacionismo, crise ambiental e outras repercussões. Para o pesquisador, esse contexto contemporâneo marcado pelo que tem sido chamado de ultraneoliberalismo envolve desafios que precisam ser enfrentados pelas universidades.
Diante de diferentes modelos de formação aplicados no mundo, Naomar acredita que a universidade deve recriar estruturas pedagógicas e recuperar a capacidade de formar sujeitos para o mundo, não em uma lógica corporativista: “não somos formados para compartilhar conhecimento. A universidade deveria ser uma instituição formadora”.
O ex-reitor ressaltou a necessidade de uma mudança radical na forma como as universidades lidam com os desafios do presente – novas fronteiras tecnológicas, crises políticas e crises ambientais. A concretização dessa mudança “oportuna, necessária e urgente” deve ter como base reformas amplas e profundas dos modos institucionais de ensino-aprendizagem, recriando estruturas curriculares e estratégias pedagógicas, aponta.
Em sua exposição, o presidente da Andifes mostrou que o quadro vivido pelas universidades envolve, há vários anos, desrespeito à sua importante função social e a sua autonomia, com tentativas permanentes de limitar a liberdade de cátedra, a redução sistemática de investimentos e dos recursos necessários ao seu funcionamento, além de desafios envolvendo concursos e processos seletivos e a escolha de reitores. O contexto recente traz também uma menor procura para ingresso nas universidades públicas e o aumento da evasão escolar, situações que precisam ser melhor compreendidas e para as quais é necessário buscar soluções. “[É preciso] refletir sobre modelos e analisar se o que temos atualmente é atrativo para a geração atual”, pontuou.
Para José Daniel Diniz, as universidades públicas podem dar respostas aos desafios da sociedade contemporânea. Além do cuidado com valores presentes desde o surgimento das primeiras universidades – verdade, autonomia, pluralismo, liberdade e universalidade –, o reitor aponta a necessidade de autonomia e de financiamento adequado, com continuidade e previsibilidade para a manutenção de pesquisas e de políticas de permanência dos estudantes.
Alguns caminhos para enfrentamento do cenário recente foram apontados por Diniz: escuta de egressos, adoção de metodologias inovadoras no processo ensino-aprendizagem, fortalecimento da formação de redes de cooperação nacionais e internacionais em temas estratégicos e uma maior aproximação com a sociedade.
Dificuldade de diálogo
A reitora Gulnar Azevedo, que assumiu o cargo em janeiro deste ano, apresentou situação recente vivenciada na UERJ após a tentativa de revisão de critérios para distribuição de bolsas assistenciais, com redução de valores e beneficiados, em atendimento a uma redução orçamentária (para saber mais detalhes, confira entrevista da reitora). Para a pesquisadora, a situação que envolveu uma “invasão violenta” do principal prédio da universidade, trazendo insegurança para ocupantes, alunos, funcionários e professores, não pode ser analisada sem considerar o quadro social e político complexo, as desigualdades e a violência do estado do Rio de Janeiro, um contexto agravado pelo governo federal anterior e pela pandemia.
Destacando a dificuldade de diálogo com os ocupantes, que optaram por não se identificar nem indicar representações, Gulnar afirmou que além de discutir a política de assistência estudantil, é importante refletir como lidar com movimentos que reúnem pessoas e grupos muito diversos e não abertos ao debate e a pactuações – “Estudantes são sempre vanguarda, estão nos indicando coisas. Como lidar com movimentos assim, sem conseguir identificar alguém para dialogar? […] Nossas bolhas na universidade não estão dando conta disso”.
No debate, o professor Naomar de Almeida destacou a posse do Conselho Consultivo do ISC como um momento histórico. O ex-reitor acredita que o conselho é uma instância estratégica que possibilita diálogos mais abertos e empoderados em relação à participação da sociedade.
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