Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil acumula mais de 616 mil mortes por Covid-19 e 22,1 milhões de casos confirmados da doença. O país é o segundo em número absoluto de óbitos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (791 mil). Segundo os especialistas, a situação poderia ser ainda mais crítica se não houvesse a atuação do Sistema Único de Saúde no país. Graças ao SUS, o número de pacientes recuperados chega a 21,4 milhões, o que representa 96,5% dos casos.

Entre erros e acertos, qual o legado deixado pelo SUS e quais as barreiras precisam ser superadas para uma saúde pública mais universal, integral e igualitária? Essas foram algumas das questões debatidas pela mesa “Perspectivas e desafios do SUS na pós-pandemia da Covid-19” no Congresso UFBA 75 Anos, que contou com a participação da professora Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e do epidemiologista e professor Eduardo Mota, coordenador do Comitê de Assessoramento do Coronavírus da UFBA.

Durante a apresentação, Ligia Bahia criticou a falta de uma coordenação nacional para o enfrentamento da pandemia no país, agravada pela ausência de apoio às medidas de isolamento social e a lentidão no processo de vacinação, que se arrastou desde o começo do ano. “A saúde não está na agenda de prioridades dos governos. Precisamos convencer nossas próximas autoridades políticas de que é necessária uma base tecnológica autônoma no país, uma soberania na capacidade de produzir equipamentos hospitalares e, sobretudo, uma atenção primária que não fique imobilizada”, destacou a professora.

Eduardo Mota falou sobre o processo de desfinanciamento do SUS e os impactos gerados pelos cortes orçamentários destinados à saúde pública nos últimos anos. Na contramão disso, está o avanço do setor privado, que se mostrou incapaz de atender às próprias demandas da pandemia. “O setor privado reconheceu que não dava conta e isso valorizou o SUS. A questão agora é saber se isso vai se traduzir em apoio da população brasileira na luta pelo fortalecimento o SUS”, refletiu.

Ligia Bahia também chamou a atenção para o cenário de desigualdades no país e a necessidade de um projeto de saúde mais amplo, apoiado por movimentos sociais diversos e que coloquem o SUS como prioridade. “A desigualdade mata por acidentes, por violência e pelas doenças infecciosas. Precisamos organizar a sociedade civil para um projeto pautado na saúde, para que possamos viver mais, melhor e de forma igualitária”, concluiu.

O Sistema Único de Saúde (SUS) também foi pauta das mesas “Desafios aos serviços de saúde no contexto da pandemia da Covid-19”“Atenção Primária à saúde e coordenação do cuidado em tempos de pandemia”; e Direito à saúde: respostas através do Sistema Único de Saúde à pandemia”.

ObservaCovid

Com o objetivo de oferecer recomendações aos gestores da saúde sobre a pandemia de Covid-19, o projeto ObservaCovid, liderado pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, é um bom exemplo da interação e colaboração entre a universidade e o Sistema Único de Saúde. A proposta do estudo, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é analisar os modelos, estratégias e ações de vigilância em saúde em diferentes níveis de atenção do SUS.

“Todos os nossos boletins periódicos trazem recomendações aos gestores com intuito de subsidiar as políticas públicas e oferecer as possibilidades de readequações, de pensar novas ações e corrigir erros”, destacou a professora Isabela Cardoso, coordenadora-geral do projeto, durante a realização da mesa “ObservaCovid: estratégias e ações de vigilância em saúde nos diferentes níveis de atenção”. Também participaram da apresentação os professores e pesquisadores Luis Eugenio de Souza, Marcele Paim, Marcelos Castellanos, Mariluce Souza, Monique Esperidião e Rosana Aquino.

O grupo apontou os principais objetivos, desafios e a metodologia aplicada por cada subprojeto envolvido, além de discutir alguns resultados preliminares das pesquisas em andamento. Um dos subprojetos, por exemplo, avalia a gestão de cuidados a pacientes com suspeita ou diagnóstico de Covid-19 e outras síndromes respiratórias agudas graves (SRAG) atendidos no Instituto Couto Maia (Icom), em Salvador. Os resultados preliminares mostram a existência de dois picos de internação, que coincidem com os períodos dos picos da pandemia ocorridos no Brasil. Na primeira onda, em geral, o número de pacientes internados é maior nas faixas etárias mais altas. Entretanto, no segundo pico, o número de pacientes com mais de 70 anos internados é significantemente menor, em comparação com o primeiro pico.

Por outro lado, para as demais faixas etárias, mais claramente de 40 a 49 anos, há um aumento do número de pacientes internados quando comparamos os dois picos de internação. “Possivelmente, essa diferença entre as duas ondas se deve ao efeito da vacinação que se iniciou pelas pessoas mais velhas”, explicou o professor Luis Eugenio de Souza, diretor do ISC/UFBA e coordenador do subprojeto em questão.

Para ampliar o acesso às informações do ObservaCovid, a equipe de pesquisadores criou ainda uma página onde são publicados, periodicamente, boletins com resultados e orientações destinados aos gestores e à população em geral. Os informativos podem ser consultados através do seguinte endereço: www.observacovid.analisepoliticaemsaude.org/.

Outras discussões no Congresso UFBA 75 anos também abordaram as ações e o papel das universidades no contexto da Covid-19, a exemplo das mesas “Residência multiprofissional do Complexo Hupes na pandemia da Covid-19”“Da pandemia de covid-19 aos sistemas complexos, da imunologia à educação” ; e “Reinvenções e ressignificações do ensino, da extensão e da pesquisa na enfermagem em tempos de pandemia de Covid-19”.

Plataforma de Diagnósticos Covid-19

Considerada uma das instituições de ciência e tecnologia em saúde mais importantes da América Latina, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem desempenhado papel de destaque no enfrentamento da Covid-19, inclusive com a produção da vacina AstraZeneca no Brasil. Na Bahia, os esforços da instituição estão voltados especialmente para o diagnóstico do novo coronavírus (SARS-CoV-2) por meio da testagem molecular (RT-PCR) em pacientes atendidos pela rede hospitalar de Salvador e outros municípios do estado, além de testes destinados aos próprios funcionários da instituição que estão em atividade.

Desde que foi criada, a Plataforma de Diagnósticos Covid-19 IGM – Fiocruz Bahia foi responsável pela realização de mais de 40 mil testes moleculares. Deste total, cerca de 25% das amostras eram positivas para Covid-19. A experiência local foi compartilhada pela pesquisadora Camila Indiani durante a apresentação da mesa “As ações de enfrentamento à Covid na Fiocruz Bahia”.

A pesquisadora abordou as principais estratégias adotadas pela Fiocruz Bahia para implantação da plataforma de diagnóstico, como as mudanças do espaço físico, treinamento das equipes, e todo o fluxo operacional necessários para o armazenamento de dados e liberação dos resultados. “A plataforma tem a capacidade técnica instalada, conhecimento acumulado e possibilidade de atuação na esfera regional, com a missão de monitorar o aparecimento e circulação de novos patógenos”, avaliou.

Universidade e pandemia

“Entre as lições da pandemia, aprendemos que a universidade é imprescindível neste e em todos os outros momentos”. A declaração é da professora Sandra Goulart, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante a participação na mesa “Universidade e Pandemia”, promovida pelo Congresso UFBA 75 anos. O evento contou com uma série de debates que evidenciaram as ações das instituições de ensino superior públicas e a parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) para o enfrentamento da Covid-19 no Brasil.

A mesa em destaque também contou com a participação de Flávio Santos, diretor-geral do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), e Luzia Mota, reitora do Instituto Federal da Bahia (Ifba). Os gestores fizeram um panorama sobre a atuação das respectivas instituições nas áreas do ensino, pesquisa e extensão nos últimos anos, e ressaltaram as principais respostas oferecidas pelas universidades à população no curso da pandemia, como o apoio à produção de vacinas e diversos estudos voltados à investigação do novo coronavírus.

Sobre os desafios impostos para o futuro, os professores chamando atenção, especialmente, para a necessidade de mais recursos. “Esse conjunto de iniciativas nos permite dizer que a universidade é indispensável com financiamento adequado para a ciência e tecnologia, e para a formação de recursos humanos qualificados”, destacou Flávio Santos, diretor-geral do Cefet-MG.

Para a reitora do Ifba, Luzia Mota, as instituições de ensino também precisam enfrentar um outro obstáculo sobre o qual a pandemia lançou luz: a desigualdade digital. “Precisamos de uma política que consiga conectar os estudantes, do ensino básico à pós-graduação, para que possamos fortalecer esse legado com a modernização e melhoria das condições de todo o Sistema Nacional de Educação”, frisou.