Com mais de duas décadas de existência, o Programa Bolsa Família tem gerado impactos significativos na saúde da população brasileira. Um estudo liderado pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, em colaboração com instituições nacionais e internacionais, aponta que o programa ajudou a evitar cerca de 8,2 milhões de hospitalizações e aproximadamente 713 mil mortes no país entre 2000 e 2019.
A pesquisa também projeta que, com a ampliação da cobertura, outras 8 milhões de hospitalizações e cerca de 684 mil mortes poderão ser evitadas até 2030. Os dados foram publicados nesta quinta-feira (29) na revista The Lancet Public Health, uma das mais prestigiadas do mundo na área das ciências médicas.
Intitulada “Efeitos do programa brasileiro de transferência condicionada de renda na saúde ao longo de 20 anos e projeções até 2030: um estudo retrospectivo de análise e modelagem”, a pesquisa buscou avaliar o impacto do Bolsa Família sobre a mortalidade e as hospitalizações por todas as causas no Brasil, considerando todas as faixas etárias, entre os anos de 2000 e 2019. Além disso, os pesquisadores estimaram os potenciais efeitos da expansão do programa até 2030.
Para isso, o estudo combinou análises retrospectivas com modelos de projeção baseados em simulações. Foram analisados dados de 3.671 municípios brasileiros, considerando variáveis como renda, escolaridade, estrutura de serviços de saúde e características demográficas. Os dados utilizados foram obtidos do Ministério da Saúde, do Ministério do Desenvolvimento Social e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As três principais variáveis de análise foram a cobertura do programa, a adequação dos benefícios (valor médio transferido por família) e a interação entre cobertura e adequação. O estudo também realizou análises de sensibilidade e triangulação dos resultados, incluindo comparações entre municípios com perfis semelhantes.
Maior impacto entre crianças e idosos
Os resultados revelam que altos níveis de cobertura do programa estão associados a uma redução de 17,6% nas taxas gerais de mortalidade. Quando considerada também a adequação, a redução estimada foi de 15,1%. Os efeitos mais expressivos foram observados na mortalidade de crianças menores de cinco anos (redução de 33%) e nas hospitalizações de pessoas com mais de 70 anos (redução de 48%).
“Este é o primeiro estudo a demonstrar, de forma abrangente, o impacto de um dos maiores programas de transferência condicional de renda do mundo sobre a mortalidade por todas as causas e em todas as idades”, destaca Davide Rasella, professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e líder do grupo Health Impact Assessment and Evaluation do ISGlobal.
Segundo os autores, os efeitos positivos do programa estão relacionados tanto à transferência direta de renda, que melhora as condições de vida e a segurança alimentar das famílias, quanto às condicionalidades, que estimulam o uso regular de serviços básicos de saúde, como vacinas e acompanhamento do crescimento infantil.
“O monitoramento também contribui para o acesso regular das famílias beneficiárias ao SUS, impactando na redução da mortalidade geral a longo prazo. Além disso, ao fornecer uma renda mínima às famílias, o Bolsa Família também contribui para a segurança alimentar, garantindo que crianças e adultos tenham acesso a alimentos mais nutritivos”, explica a pesquisadora Daniella Cavalcanti (ISC/UFBA), uma das autoras do estudo.
Ainda segundo os pesquisadores, programas como o Bolsa Família têm potencial para melhorar diversos fatores socioeconômicos relacionados à saúde, como o acesso à educação, a redução das desigualdades de renda e da exclusão social. “Esses programas podem contribuir para trajetórias psicológicas e afetivas que influenciam comportamentos de saúde, por exemplo, reduzindo o estresse e a carga cognitiva, permitindo assim uma tomada de decisão mais precisa, particularmente em relação à segurança alimentar e à promoção da saúde”, observa Daniella Cavalcanti.
Ao refletir sobre os impactos globais dos programas de transferência de renda, Davide Rasella destaca a relevância dessas iniciativas para os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e outros países. “Esses programas desempenharam um papel vital na promoção da saúde e do bem-estar de populações vulneráveis em países de baixa e média renda e fizeram, e continuarão a fazer, contribuições importantes para o alcance das metas para o desenvolvimento sustentável estabelecidas pela ONU até 2030”, conclui.
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