Com informações de Inês Costal e Patrícia Conceição/OAPS
Pesquisadores/as que têm se debruçado sobre as respostas de diferentes países à pandemia de Covid-19, um olhar que tem como foco o desempenho dos sistemas de saúde, se encontraram na mesa-redonda “Respostas dos sistemas de saúde frente à Covid-19 em perspectiva comparada internacional e lições aprendidas”, realizada como parte da programação do 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – #Abrascão2022. A atividade, coordenada por Thais Aranha (Uneb), integrou a programação do terceiro dia do Congresso, que acontece em Salvador (BA), até o dia 24 de novembro.
Para abrir os trabalhos, Monique Esperidião, pesquisadora do Oaps e professora do ISC/UFBA, apresentou alguns resultados da análise comparada de sistemas de saúde no enfrentamento à Covid-19, realizada dentro do contexto do projeto ObservaCovid. Entre os países postos em comparação estão Portugal, Coreia do Sul, China, Alemanha, Canadá, Nova Zelândia, França, Reino Unido, Espanha, Itália, Estados Unidos, Suécia, Cuba, Vietnã, Argentina e Uruguai.
O estudo se debruçou sobre dois indicadores principais para avaliar as respostas dos países: o excesso de mortalidade acumulada por milhão de habitantes e o total de óbitos acumulados por milhão de habitantes. Os resultados preliminares mostram que nenhum sistema de saúde estava completamente preparado para lidar com a pandemia e que nenhuma modalidade organizacional de sistema, por si só, foi capaz de influenciar a forma como os países enfrentaram o problema. Entre os fatores mais apontados para o sucesso das medidas de controle da pandemia estão características relacionadas à coordenação e gestão da crise, incorporação das recomendações dos comitês científicos e transparência na comunicação de risco.
“Embora se tratasse de um problema global, a resposta foi nacional, a despeito dos esforços da Organização Mundial da Saúde de coordenação e de desenvolvimento de um conjunto de investimentos, planejamento e preparo da resposta”, explica Monique. Outro aspecto destacado pelo estudo é a importância de uma correlação de forças favorável ao ponto de vista científico, em oposição aos movimentos antivacina e negacionista, para a adesão às recomendações das autoridades sanitárias. Clique aqui e aqui para ler mais sobre os resultados do estudo.
Brasil é destaque no número de mortes em excesso
Destacando que as respostas dos sistemas de saúde à pandemia são atravessadas por contextos amplos, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Adelyne Pereira, apresentou dados de uma análise comparada envolvendo nove países nas Américas, Europa e Ásia sobre políticas e sistemas de saúde. A investigação sobre o grupo formado por Brasil, Argentina, México, Canadá, Coreia do Sul, China, Espanha, Alemanha e Reino Unido considerou que os sistemas de saúde são impactados tanto pelo contexto global e por relações internacionais, quanto por trajetórias e contextos nacionais. No caso destes últimos, foram consideradas características gerais dos sistemas de saúde, a organização da vigilância e da atenção à saúde, o cenário epidemiológico e as respostas dos sistemas.
A docente da Fiocruz pontuou que, nas Américas, o Brasil se destacou no total de letalidade e no número de mortes em excesso, perdendo apenas para o México no último caso. Enquanto o Canadá se aproxima dos sistemas europeus, a desigualdade se manifesta nos sistemas da Argentina, Brasil e México, com debilidades na coordenação federativa.
Na Ásia, os países China e Coréia do Sul tiveram importantes medidas de contenção implementadas e amplo acesso à testagem, com universalidade (gratuidade). Na Europa, impactos negativos nas respostas à pandemia foram observados na Espanha, que sofreu diversos cortes orçamentários nos últimos anos, e no Reino Unido, com uma inicial ausência de liderança de governo nacional e postura negacionista, que refletiu nos indicadores de letalidade e de mortalidade, apesar do país contar com um sistema de saúde forte e robusto, e uma Atenção Primária à Saúde forte e abrangente. Por sua vez, a Alemanha contou com uma estrutura produtiva considerável, que possibilitou a produção de testes e de vacinas com rapidez.
O estudo suscitou como principais lições a importância da governança e da coordenação nacional, de sistemas de vigilância e alerta precoce articulados e do fortalecimento do sistema público de saúde. A pesquisadora enfatizou que a análise de sistemas de saúde deve considerar fatores histórico-estruturais, institucionais, político-conjunturais e sociais como condicionantes que precisam ser examinados. Clique aqui e leia o e-book “Políticas e sistemas de saúde em tempos de pandemia: nove países, muitas lições”.
Olhando a APS no mundo para pensar a APS no Brasil
Como se deu a organização e a resposta da Atenção Primária à Saúde (APS) diante dos desafios impostos pela pandemia? Nília Prado, professora da Universidade Federal da Bahia (Campus Anísio Teixeira), apresentou resultados de estudos realizados no contexto do ObservaCovid que se debruçaram sobre as experiências internacionais para pensar as especificidades do contexto brasileiro, além de tentar dialogar com gestores e profissionais dos sistemas de saúde. Com ênfase nos contextos locais e regionais, o estudo também analisou casos nacionais, pensando na organização do suporte às pessoas com Covid, na continuidade do cuidado e nas ações de vigilância integradas à APS – a perspectiva aqui é de que não há dicotomia entre práticas de APS e Vigilância.
Em um rápido passeio pelo mundo, Nília pontuou as experiências da China, marcada pela prevalência da vigilância digital e a priorização da organização da APS; de Cuba, caracterizada pela “resposta de uma APS forte”, precoce e que buscou incluir estudantes residentes de Medicina nas equipes para vigilância de base comunitária; do Uruguai, “resposta exitosa”, com mecanismos de apoio a populações específicas vulneráveis e ampla participação de voluntários na quarentena; e do Brasil e do México, países com forte presença do negacionismo e e nos quais não houve uma resposta coordenada para estados e municípios.
“No Brasil, a resposta começou com o descrédito da APS. Somente na metade do primeiro ano teve início a organização dos serviços para atender as demandas dos territórios. […] Foi uma experiência marcada pela negligência intencional no enfrentamento da pandemia, com desmonte do SUS e das políticas de APS, além da predominância de discursos de eficiência e desempenho”, detalha Nília, que chamou a atenção para a importância de pensar a APS no pós-Covid e os novos desafios que surgem na identificação, monitoramento e vigilância dos usuários/as que têm sequelas da Covid, tenha sido ela na sua forma leve ou grave.
Aprendizados e experiências durante a pandemia em Portugal foram tema da exposição de Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade de Porto. Apontando a complexidade da pandemia, que não pode ser capturada em um modelo, o pesquisador enumerou lições aprendidas com a experiência portuguesa, entre elas: o impacto de decisões transparentes, informadas por evidência, que geram confiança da população; a prioridade ao combate às desigualdades na resposta à pandemia; e a constatação que vacinas são indispensáveis, mas não são suficientes. Segundo Barros, estudos apontaram que a vacinação evitou mais de 1,200 milhões de infecções, mais de 130 mil dias de internamento em UTI e mais de 12 mil óbitos no país. Algumas limitações da vacinação como única estratégia de resposta incluíram a possibilidade de escape imunitário com novas variantes; o acesso desigual à vacinação e a hesitação vacinal.
No cenário português, o docente e gestor destacou ainda questões como o limite de registro de informações sobre os imigrantes no país, que compunham a maioria dos infectados por Covid-19 no início da pandemia; a percepção da relação entre casos de infecção e pobreza; a relação entre menor renda e maior disponibilidade para a vacinação; o alto número de óbitos nos lares para pessoas idosas no começo da pandemia – cuidadores tinham quase o dobro da probabilidade de se infectar; e as diferenças de risco de infecção entre os profissionais de saúde, com maior risco para técnicos de enfermagem e menor para médicos.
O trabalho de vigilância no país incluiu rede de saúde e laboratórios sentinela, intensa vigilância genômica, vigilância de águas residuais e digital. Ao falar da última lição aprendida – a pandemia não será resolvida isoladamente -, Barros ressaltou que a pandemia deve ser vista como um fenômeno integrado ao processo de identificação e respostas a outras infecções respiratórias existentes. “A dimensão política e social da pandemia é central e determina o sucesso da resposta sanitária a nível nacional e internacional”, concluiu.
O 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – #Abrascão2022 acontece no Centro de Convenções de Salvador (BA), até o dia 24 de novembro.