Da esquerda para a direita: Luis Eugenio de Souza, Silier Borges e Ronaldo Oliveira / Fotos: Gilson Rabelo

A tese de doutorado do pesquisador Silier Borges, egresso do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do ISC/UFBA, recebeu Menção Honrosa no Prêmio UFBA de Teses, Dissertações e Trabalhos de Conclusão Profissionais 2023. A cerimônia de premiação foi realizada na última terça, 19 de novembro, no Salão Nobre da Reitoria da UFBA.

A tese “Eu saí da rua, mas a rua não saiu de mim: narrativas de pessoas em situação de rua em ações coletivas de luta e resistência” foi defendida em agosto do ano passado, sob orientação do professor Marcelo Castellanos, que também recebeu a distinção pela qualidade da produção acadêmica.

A cerimônia foi conduzida pelo pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFBA, professor Ronaldo Oliveira, representando o reitor da UFBA, professor Paulo Miguez, e contou com a presença do diretor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, Luis Eugenio de Souza, e da coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do ISC/UFBA, professora Florisneide Barreto, que destacou o compromisso do programa em fomentar a produção de pesquisas que promovam impactos positivos na sociedade.

“A premiação da tese de Silier é motivo de muita alegria para o nosso programa de pós-graduação, pois além de refletir o compromisso e dedicação do estudante ao realizar um trabalho com tema muito sensível, com alto nível de excelência, reflete também a contribuição da sua formação enquanto estudante deste programa, ao evidenciar um recorte importante da nossa sociedade muitas vezes invisibilizado”, avalia a professora.

Para Silier Borges, o reconhecimento da sua pesquisa vai além de uma conquista individual, já que a jornada de elaborar uma tese é particularmente desafiadora para pesquisadores negros e trabalhadores, dadas as barreiras históricas que ainda dificultam sua permanência no ambiente acadêmico.

“A menção honrosa reflete o vínculo, a amorosidade e a rede de apoio do grupo de orientandas e orientandos do (e com) o professor Marcelo Castellanos; o apoio de minha família; a retaguarda de minha família ancestral, por meio dos guias que me acompanham em minha caminhada, nossa tecnologia ancestral de cuidado”, comemora.

Silier destacou ainda que a tese é “um produto de muitas mãos” e um reflexo das vozes legítimas das pessoas que participaram da pesquisa, reafirmando seu compromisso com a transformação social através do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR).

“São muitos os que atravessam a minha/nossa escrita. Como digo aos meus alunos, não se trata de fazer pesquisa para ‘dar voz aos subalternos’, o que seria um contrassenso por reposicioná-los numa relação verticalizante e caritativista, mas de reconhecer a legitimidade das vozes que frequentemente recusamos escutar”, destaca.

Para o orientador Marcelo Castellanos, a tese de Silier demonstra a força das narrativas e da análise narrativa como um campo que equilibra sensibilidade e rigor. O professor ressaltou a dedicação do pesquisador e a relevância do trabalho em um campo de estudo em expansão.

“Nos últimos 15 anos, a produção científica sobre as populações em situação de rua vem crescendo e observamos também algumas mudanças na ação/omissão do poder público em relação a essas populações. Porém, ainda que o ativismo acadêmico e o ativismo social estejam intimamente relacionados a essas mudanças, quase não encontramos estudos sobre suas contribuições. Nesse sentido, a tese de Silier tem um bom potencial para ser uma referência sobre a questão nos próximos anos”, aponta o professor.

Segundo Castellanos, a pesquisa de Silier apresenta uma análise aprofundada sobre o engajamento e as experiências de pessoas em situação de rua com importante trajetória de ativismo social e forte envolvimento no Movimento Nacional da População de Rua. Além do impacto acadêmico, o professor destacou ainda a qualidade da escrita da tese.

“É um texto muito gostoso de ser lido, o que nem sempre encontramos tantas vezes quanto gostaríamos. Foi uma alegria orientar Silier e participar da construção desse valioso produto da área de ciências sociais em saúde de nosso Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do ISC/UFBA”, completa.

Narrativas de Luta e Resistência

A tese “Eu saí da rua, mas a rua não saiu de mim: narrativas de pessoas em situação de rua em ações coletivas de luta e resistência” lança luz lança luz sobre as experiências de engajamento de pessoas em situação de rua no Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), explorando como essas trajetórias pessoais são marcadas pela ressignificação de histórias de vida e pela militância coletiva.

“Busquei identificar os elementos mobilizadores do engajamento de pessoas em situação de rua no MNPR, com destaque para aqueles relacionados às suas trajetórias de vida e experiências junto às políticas sociais, compreender as transformações e permanências das experiências de rualização, identificar como os indivíduos performam narrativamente suas identidades e se tornam militantes, dedicando-me também a olhar como constroem as redes de solidariedade, os conflitos e as estratégias de resistência”, explica o pesquisador Silier Borges.

Baseada em entrevistas biográficas com dez participantes, a pesquisa evidencia que a rua é vivenciada de forma ambígua: enquanto representa abandono, violência e negligência, também é um espaço de vínculos afetivos e redes de solidariedade. Para muitos, essas conexões são o ponto de partida para o engajamento na militância, que transforma não apenas suas próprias trajetórias, mas também as de seus pares.

Os participantes relataram que o envolvimento no MNPR os ajudou a reconstruir suas identidades, assumindo papéis ativos e desafiando adversidades. A luta coletiva proporcionou conquistas importantes, tanto em suas vidas quanto nas condições de outros em situação de rua. Apesar de superarem essa realidade, muitos militantes mantêm vínculos profundos com a comunidade, reafirmando o compromisso com a causa.

A pesquisa também destaca que, por meio de suas narrativas pessoais, os militantes enfrentam e transformam os impactos do racismo estrutural e das políticas necropolíticas que historicamente marginalizam a população negra e em situação de rua. Essas histórias de superação são repletas de reivindicações por dignidade e pelo direito de existir, marcando a militância como um ato de resistência e transformação.

Segundo o estudo, a ação coletiva cria um espaço onde as vozes dessas pessoas não apenas são ouvidas, mas também ganham força e legitimidade. A transformação ocorre não apenas na forma como se veem, mas também na maneira como são percebidas pela sociedade. Ao unirem suas histórias individuais à luta coletiva, esses militantes emergem como protagonistas de uma narrativa que ressignifica suas vidas e desafia as desigualdades sociais no Brasil.

Para Silier, a sua pesquisa amplia o debate sobre saúde ao ir além dos estudos focados em doenças e agravos. Além disso, a tese contribui para desconstruir o imaginário social que reduz a rua a um espaço limitado pelo binômio carência e violência, oferecendo uma perspectiva mais complexa e humanizada.

“Além disso, em linhas gerais, a pesquisa evidencia como as narrativas que as pessoas em situação de rua engajadas no movimento social constroem sobre si viabilizam as transformações de vidas subalternizadas em um contexto marcado pela busca da aniquilação dessas vidas negras”, observa.

Atualmente, Silier Borges é professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e segue comprometido com uma atuação acadêmica transformadora. “Pretendo prosseguir consolidando minha trajetória a partir do ensino, da pesquisa e da extensão popular ética e politicamente implicadas, como venho buscando fazer nos últimos sete anos, a despeito daqueles e daquelas que objetivam negar nossa intelectualidade em razão de seu desconforto racial. Nós não caminhamos só”, conclui.

Veja, abaixo, a galeria de fotos da premiação: