Discutir experiências, desafios e promover um debate alinhado à Estratégia Global de Hanseníase 2021—2030 da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa foi a proposta do seminário “Compartilhando Desafios: Janeiro Roxo 2024 – Uma Jornada de Inclusão em Hanseníase”, promovido pelo Departamento de Doenças Transmissíveis (DEDT) do Ministério da Saúde, entre os dias 23 e 25 de janeiro, em Brasília.

A professora Joilda Nery, vice-diretora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, foi uma das convidadas da mesa “O retrato das populações vulnerabilizadas na hanseníase”, que abordou o impacto dos determinantes sociais sobre a infecção, diagnóstico, tratamento e prevenção da doença. Em sua apresentação, Joilda Nery chamou atenção para o papel das disparidades raciais na saúde e a importância de ampliar o debate sobre a hanseníase na população negra do Brasil.

A professora compartilhou estudos que corroboram a existência de uma correlação significativa entre raça, condições socioeconômicas e a incidência de hanseníase, destacando como o racismo estrutural e a marginalização afetam o acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento adequado para esta parcela da população.

“O racismo é um fenômeno ideológico que faz parte do nosso país, que engloba um conjunto de atitudes que são fundadas em preconceitos raciais antes mesmo das pessoas adoecerem por hanseníase. Então a gente precisa falar sobre isso e repensar nossos comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas”, destacou.

Segundo a maior pesquisa já realizada sobre a doença no país, que avaliou dados de 100 milhões de brasileiros, há um risco maior de crianças negras contraírem hanseníase em comparação com crianças brancas. “As crianças que possuem raça/cor preta possuem 92% de mais risco de adoecer por hanseníase do que as crianças brancas. Essa taxa é de 40% quando incluída a população adulta”, destacou Joilda Nery. Ainda segundo a pesquisa, para as crianças que vivem no Norte do país, o risco é 34 vezes maior em comparação com aquelas que moram na região Sul.

A professora também ressaltou a importância de políticas de saúde que abordem especificamente as necessidades da população negra, incluindo a melhoria dos sistemas de informação e a valorização dos saberes tradicionais. “É muito contraditório falar de populações em situação de vulnerabilidade, falar em determinantes sociais sem minimamente conhecer uma das políticas,” afirmou, referindo-se à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que visa, entre outras questões, aprimorar a qualidade dos sistemas de informação em saúde através da inclusão do quesito cor em todos os instrumentos de coleta de dados.

De acordo com a professora, embora tenham ocorrido progressos recentes, a efetivação de políticas antirracistas no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda se depara com obstáculos consideráveis. Esses desafios englobam desde a insuficiente participação dos municípios na implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra até a escassez de incentivos, fiscalização e recursos necessários. Ela defende a implementação de estratégias que sejam abrangentes, multidimensionais, transdisciplinares e que envolvam diferentes setores, além de contar com a participação ativa da comunidade.

Tais medidas visam não apenas combater as disparidades raciais na saúde, mas também promover progressos em pesquisa, melhorar a vigilância e o atendimento, e fomentar a participação social e a gestão no âmbito da saúde. Para Joilda Nery, essas ações representam etapas fundamentais para reformular o SUS, transformando-o em um instrumento eficaz de justiça social. Isso implica em mudanças paradigmáticas na saúde pública que reconheçam e enfrentem o racismo como um dos determinantes sociais da saúde.

Para ampliar o olhar sobre as questões debatidas, a professora também sugeriu o acesso ao boletim “Saúde da População Negra”, lançado em dois volumes em outubro de 2023, pelo Ministério da Saúde. Joilda Nery é uma das autoras do capítulo “Considerações sobre o quesito raça/cor nos Sistemas de Informação de Vigilância em Saúde”, além de revisora científica do boletim ao lado da professora Dandara Ramos (acesse o volume 1 e o volume 2 do boletim).

Outra leitura fundamental para quem deseja se aprofundar na temática é a obra “Negligências e vulnerabilidades: aportes epidemiológicos para a saúde da população negra no Norte-Nordeste do Brasil”, que traz um capítulo especial sobre as doenças negligenciadas e infecciosas na população negra, escrito pela professora Joilda Nery em parceria com os pesquisadores Lucas Morais do Carmo, Paulo Jorge de Souza Vianna, Osiyallê Akanni Silva Rodrigues e Tarcisio Oliveira Silva (acesse o livro).

“Eu queria muito convidar vocês para saírem desse evento pensando: quais são as minhas práticas antirracistas? Será que eu sou racista ou já tive atitudes racistas? Para além de falar de estigma, preconceito e discriminação, vamos falar de racismo também”, concluiu.

Para assistir à participação completa da professora Joilda Nery no seminário “Compartilhando Desafios: Janeiro Roxo 2024 – Uma Jornada de Inclusão em Hanseníase”, acesse o vídeo abaixo:

Veja, abaixo, a galeria de fotos: