[:pb]Com informações do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Articulação, estratégia e os desafios que se impõem sobre a inovação tecnológica e o acesso universalizado ao diagnóstico e tratamento do câncer. Essa foi a linha condutora das exposições do webinário “Atenção à saúde, inovação tecnológica e câncer: impactos e desafios da era Covid-19”, realizado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz), no dia 20 de agosto.
O evento contou com a participação do pesquisador Jorge Alberto Iriart, professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, que destacou o olhar das Ciências Sociais e a importância do estudo sobre o futuro e a incorporação de novas tecnologias ao sistema de saúde, com ressalvas sobre a disponibilidade de acesso. “Preocupo-me, sobretudo, com as questões éticas; se os benefícios dessas novas tecnologias da medicina de precisão serão acessíveis à maior parte da população, sob a pressão dos altos custos ao sistema de saúde, e com a necessidade de construção de um marco regulatório”, pontuou.
O pesquisador alertou para a importância de não se olhar para as tecnologias de forma abstrata, mas a partir dos contextos social, cultural e histórico em que estão inseridas. “É preciso compreender a Ciência e a Medicina como prática social, no contexto histórico, político e sociocultural; pensar que a incorporação das novas tecnologias não se dá somente por utilidade clínica, mas influenciada por uma série de fatores”, afirmou.
Para Iriart, é preciso pensar sobre qual deve ser a agenda prioritária de pesquisa no Brasil. “Observamos, hoje, um investimento enorme por parte dos países europeus, destaque para o Reino Unido, Estados Unidos e China, em que todos têm projetos de medicina de precisão. As biotecnologias são a nova fronteira do capitalismo”, considerou, conclamando o Brasil a participar desse debate, “sob uma perspectiva crítica, para não ficarmos simplesmente recebendo tecnologia de fora”. As tecnologias, pontuou, são ao mesmo tempo “produzidas por meio da cultura e produtoras de cultura, e transformam subjetividades”.
O pesquisador apresentou dados de uma pesquisa por ele coordenada, Genômica e medicina personalizada: análise crítica sobre incorporação do saber e tecnologia genômica da biomedicina no Brasil, na qual foram entrevistados oncologistas e pacientes oncológicos nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, em instituições públicas e privadas, e que trazem semelhanças com a pesquisa sobre o futuro da atenção ao câncer.
De acordo com a pesquisa, conforme destacou, há dificuldade dos oncologistas em se manterem atualizados frente a um fluxo enorme de conhecimento, e uma das formas de lidar com esse volume de conhecimento tem sido a subespecialização. “Hoje, temos oncologistas restringindo seu trabalho a poucas especialidades – só mama ou só gastrintestinal, por exemplo”.
Para o pesquisador, isso traz à tona uma discussão sobre desigualdades. “Nas capitais, nos grandes centros oncológicos privados, essa segmentação já existe, há especialistas em poucos temas, enquanto no sistema público, o oncologista tem que lidar de A a Z”, observou. “Seria interessante ver como se dá o acompanhamento de tecnologias entre os oncologistas que trabalham apenas no setor público”, sugeriu, explicando que “como muitas dessas novas tecnologias não estão disponíveis no SUS, oncologistas que atuam apenas no sistema público têm conhecimento teórico, mas não necessariamente prático”.
Os dados produzidos no estudo, de acordo com Iriart, levam a crer que a forma como as novas tecnologias estão se inserindo no sistema de saúde aumentam as desigualdades. “As tecnologias estarão disponíveis para todos que poderão se beneficiar?”, indagou.
As desigualdades se dão não só entre o sistema público e o setor privado, como no interior do sistema também, destacou, citando artigo do médico Rafael Kaliks, intitulado Meu SUS não é igual ao seu SUS. “O artigo mostra essa variação no tratamento oncológico, em relação aos quatro principais tipos de câncer. Há diferença entre regiões, e os estados mais ricos conseguem incorporar medicamentos que não estão disponíveis em outros estados”, destacou Iriart, acrescentando que, “no Brasil, para garantir acesso, dado o volume enorme de pacientes, é fundamental que se tenha estratégia para negociar com a indústria farmacêutica os preços de medicamentos que são extremamente abusivos”.
Na opinião do pesquisador, a relação custo-benefício é outro ponto importante. “Uma das promessas da medicina de precisão era justamente diminuir custos para o sistema de saúde. Mas, o que estamos vendo é um aumento dos custos, e aí se faz importante a agenda de pesquisa, porque a indústria farmacêutica não tem interesse em realizar pesquisas que podem diminuir os custos da atenção, alertou, reafirmando sua crítica à medicina de precisão.
“Tenho muitas dúvidas quanto à medicina de precisão ter um impacto sobre a saúde das populações, em termos de saúde pública. Temos os problemas de base – promoção, prevenção da saúde, diagnóstico precoce e início rápido de tratamento. Se nós não resolvermos esses problemas não vai ser a medicina de precisão que resolverá”.
O evento reuniu teve como palestrantes Luiz Santini, pesquisador do CEE e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, que apresentou os resultados e as reflexões decorrentes das pesquisas realizadas no Centro sobre o tema, e Nina Melo, da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, que compartilhou em primeira mão dados de pesquisa conduzida pelo Movimento Todos Juntos contra o Câncer, avaliando a doença no cenário da pandemia.
A mesa de abertura contou com a presença da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, o coordenador do CEE, Carlos Gadelha, e o pesquisador do Centro e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Além de Jorge Iriart, também participaram do evento como debatedores, Carlos Gil Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas; e Martín Bonamino, pesquisador Inca e da rede Fio-Câncer/Fiocruz.
Para assistir ao webinário completo, acesse o vídeo disponível a seguir:
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